AS IDEIAS DE REPÚBLICA E A PARTICIPAÇÃO DOS
SACERDOTES DURANTE A REVOLUÇÃO FARROUPILHA (1835-45)*
Maria Medianeira Padoin**
Alessandro de Almeida Pereira***
Introdução
“(...) Las forzas de los
Caramurus era compuesta de 560 hombres, y de los Republicanos no excedía de
400; pero estos con repetidas vivas dados por el Coronel Netto de REPUBLICA O
MUERTE se volvieron 400 LEONES”[2]
Quarta-feira, 14 de setembro de 1836, leitores do periódico El Republicano (Montevidéu) recebiam em mãos as notícias
sobre a Proclamação da República Rio-Grandense realizada por Antonio de S. Netto, fato ocorrido no dia 11 de setembro,
após vitória no Seival sobre as tropas legalistas comandadas por Silva Tavares.
Essas notícias que relatavam a situação da Revolução Farroupilha (1835-45)
transitavam rapidamente pelo espaço fronteiriço platino. Assim, o ato que
resultou no surgimento de um novo Estado, denominado de República Rio-Grandense
(1836-1845), não foi ignorado pelos redatores dos periódicos da Banda
Oriental/Uruguai, que chegaram a apresentar detalhes sobre o triunfo obtido
pelas “armas dos Liberais da Província do Rio
Grande”.
A guerra foi o principal elemento que sustentou, por quase
dez anos, a Revolução Farroupilha e por quase nove anos o Estado da República
Rio-Grandense[3].
Separou parte a Província do Rio Grande do Sul dividindo-a em dois territórios:
um Estado republicano e o Governo legalista, que representava a manutenção da
Província brasileira, sustentada pelo poder Imperial.
Os territórios que a partir 1776 passaram a formar o
Vice-Reino do Prata, desde sua época colonial até os anos da Revolução
Farroupilha, vivenciaram uma grande variação de significados do termo república.
Republica significou um pequeno território, as cidades e suas extensões rurais
(principalmente durante o período colonial); uma forma de governo alternativa a
forma monárquica (após 1810) e ao mesmo tempo associada com projetos
monárquicos; uma composição entre ideias de forma de governo e como qualitativo
para uma sociedade; uma forma de governo associada ao sistema representativo e
diferenciada do sistema democrático; uma sociedade pequena ou todo um Estado
que preza pelo bem público e causa pública[4].
Pesquisar as ideias de república durante a Revolução
Farroupilha (1835-45), bem como a atuação dos sacerdotes nesse contexto,
fundamenta-se no fator essencial que é o espaço físico/social que se localiza o
Rio Grande do Sul. Ponto relevante para compreender a história da Revolução
Farroupilha com a característica de pertencimento a um espaço fronteiriço, onde
a Bacia Platina é o elemento que possibilita explicação, aproximações e
divergências referentes à elaboração de projetos políticos federalistas e
republicanos.
O espaço fronteiriço platino[5]
possibilitou a consciência de autonomia, de liberdade e de necessidade da força
e da proteção presentes na vida rio-grandense que constituíram os fatores
primordiais para a adesão às ideias republicanas e federalistas no complexo
processo de construção dos Estados Nacionais.
Retomar tais afirmativas é relevante, pois, o espaço
fronteiriço platino possibilitou a entrada, a saída e a circulação de pessoas,
mercadorias (entre essas a grande quantidade de livros) e de ideias. Portanto,
mais do que separar os povos deste espaço fronteiriço, possibilitaram, no
decorrer do século XIX, uma “integração peculiar entre
segmentos sociais sul-rio-grandenses, orientais e ‘argentinos’ funcionando como
sistemas de vasos comunicantes”[6].
A presença dos ideários republicano e federalista e suas diversas interpretações políticas foram relevantes no processo de construção dos Estados Nacionais enquanto bandeiras contra o sistema colonial no final do século XVIII e século XIX no Continente Americano.
Nesse contexto observamos que as relações de poder e as
reivindicações regionalistas manifestadas com a Revolução Farroupilha,
mostravam que a Província, através de sua elite, exigia uma redefinição de seu
espaço econômico-social e político, tanto no âmbito nacional quanto no campo de
atuação regional. Por todos esses pressupostos nosso trabalho possui uma
abordagem fundamentada na história regional, no qual caracterizamos o ambiente
investigado como espaço fronteiriço platino.
Para o trabalho, elegemos como fundamental, a análise de
diversas fontes documentais, entre elas: Livro Tombos Paroquiais, Livros de
Batismos, Atas das Câmaras Municipais, periódicos e correspondências que a
partir de uma análise comparativa com a historiografia resultou no
aprofundamento referente à participação dos sacerdotes no interior da Província
do Rio Grande de São Pedro do Sul- apresentando nesse trabalho os resultados da
análise da região de Santa Maria- e sobre as ideias de república no contexto do
processo de construção do Estado da República Rio-Grandense (1836).
Mapa
N° 1: Província de São Pedro do Rio Grande do Sul /
Localización de la capilla de Santa Maria (4º Distrito) - 1835
Fuente: Mapa adaptado. Comissão de assuntos municipais da
Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, Evolução Municipal, Rio Grande do Sul. (2002).
A
Participação dos Sacerdotes durante a Revolução Farroupilha
O ano de 1838 é marcado pela separação administrativa entre
a Igreja farroupilha e o Bispado do Rio de Janeiro, que possuía jurisdição
eclesiástica sobre o território da Província. Durante a Guerra Civil, entre
farroupilhas e forças imperiais brasileiras, o sacerdote Francisco das Chagas
Martins de Ávila e Sousa foi nomeado Vigário Apostólico da República Rio-Grandense,
por Bento Gonçalves, ficando responsável por todas as questões que dizem
respeito à organização da Igreja farroupilha[7]. Mas, essa oficialização da Igreja
Católica como instituição do Estado da República Rio-Grandense não representa o
momento de adesão do clero ao movimente farroupilha de 1835.
A Igreja farroupilha estará presente, também, no projeto da
Constituição da República Rio-Grandense (Alegrete, 1843), no Título 1º, sobre os assuntos da República do Rio Grande, seu
território, governo e religiosidade, diz o seguinte:
Art. 1º A República do Rio Grande é a
associação política de todos os cidadãos Rio-grandenses. Eles formam uma Nação
livre, e independente, que não admite com qualquer outro laço de união, ou
federação, que se oponha à independência de seu regime interno. Art. 2º Seu
território compõem-se de todo o país, que formava a antiga Província do Rio
Grande do Sul, na época, em que se proclamou a independência. A parte dele, que
ainda ocupam as Forças do Império do Brasil, logo que libertada seja de seu
domínio, gozará dos mesmos direitos, e representação, que tem o restante do
país. Art. 3º Far-se-á uma divisão mais conveniente do território da República,
bem como a demarcação dos seus limites, logo, que as circunstâncias o permitam.
Art. 4º O seu Governo é Republicano, Constitucional e Representativo. Art. 5º A religião do Estado é a Católica, Apostólica Romana. Todas
as outras Religiões são permitidas com seu culto doméstico, ou particular em
casas para isso destinadas sem forma alguma exterior de Templo. Projeto da Constituição Rio-grandense[8].
O processo de construção e organização
do Estado da República Rio-Grandense ocorre concomitante à Guerra Civil de
1835-45, na qual teve como palco a Província do Rio Grande de São Pedro do Sul
(atual estado do Rio Grande do Sul). Partimos da análise desse fragmento do
Projeto de Constituição do Estado Rio-Grandense, mas objetivando compreender o
processo protagonizado pelos sacerdotes no contexto de descolonização da
América. Esse processo representa o resultado de lutas entre grupos políticos
pela organização administrativa da Igreja e disputas pelo poder. Tanto como
disputas entre o clero diocesano pela criação de uma Igreja farroupilha quanto
entre os grupos de outros setores da elite farroupilha que se posicionaram de
diversos modos em relação à elaboração de projetos federalistas e republicanos.
A continuidade da união entre Estado
e a Igreja Católica na organização do Estado da República Rio-Grandense
representa um processo contínuo do sistema de Padroado Real, sistema que
representa a manutenção de práticas coloniais no processo de descolonização e
formação do Estado nacional moderno.
Nessa primeira parte do projeto Constituinte fica explícita
a importância da Igreja Católica para a República Rio-grandense, indicando
indícios da importância da atuação dos sacerdotes nesse processo, pois em todos os momentos, desde a elaboração
dos projetos políticos até a proclamação da República Rio-grandense e nas
negociações de pacificação com o Império brasileiro, tivemos a atuação dos
sacerdotes.
Lauro
Manzini Bidinoto ao dissertar sobre o Clero secular e poder
político nos movimentos de Independência do Prata analisa as
características gerais da Igreja no Rio da Prata durante o final do século
XVIII e início do século XIX, descrevendo o contexto histórico em que se
formaram os sacerdotes que posteriormente atuaram nos movimentos de
independência. O autor também reafirma que os primeiros quatro séculos de
implantação da Igreja na América, de colonização hispânica e Portuguesa, foram
profundamente marcados pelo regime de Padroado Real.
Em síntese, tratava-se de um acordo com direitos e deveres: as Coroas responsabilizaram-se
por fornecer os recursos econômicos necessários à implantação da Igreja no novo
Continente e em troca obtinham o direito de indicarem as pessoas que ocupariam
os cargos eclesiásticos[9].
Na primeira metade do século XIX, os sacerdotes
desempenharam um papel significativo nos movimentos de independência. A posição
central desempenhada pelo clero neste processo deve-se, sobretudo às condições
em que a Igreja Católica se instalou nessa sociedade. Pois, durante todo o
período colonial a Igreja Católica tinha como privilégio ser a religião oficial
dos Estados pertencentes às Coroas Ibéricas através do Padroado Real. Assim, os
funcionários da Igreja representaram também o papel de funcionários do Estado.
Segundo os seguintes autores: Arlindo Rubert[10],
Jaeger[11]
e Hastenteufel[12],
as obrigações do Império brasileiro em relação à organização da Igreja não eram
totalmente cumpridas, sendo um dos motivos para a adesão de grande parte dos
sacerdotes ao movimento farroupilha.
No entanto, essa ideia reduz a amplitude do processo de
adesão aos movimentos de independência e sintetiza demasiadamente um processo
que ocorria em diferentes momentos e por diversas motivações. No processo de
descolonização das Províncias do Rio da Prata, por exemplo, se analisarmos a
obra de José Carlos Chiaramonte notaremos que os sacerdotes possuem um papel
central nos movimentos de independência, uma vez que eles estavam inseridos no
centro da reformulação educacional nas Universidades. Uma mudança de postura e
inovação nas leituras das cátedras que resultou na fundamentação teórica para
ideia de retroversão da soberania para os povos e o princípio de organização dos
Estados do Rio da Prata[13].
Os sacerdotes possuem uma relevância significativa em
relação à participação na vida política, em grande parte do século XIX. Uma
participação superior ao que é atribuída pela maioria da historiografia sobre
tema, principalmente a historiografia eclesiástica do século XX, que por diversas
influências, mas sobre tudo a influência de um nacionalismo apaixonado e
comprometido com as “causas patrióticas”, resultou na construção de uma análise
anacrônica e simplificada desse processo. Está presente nessa historiografia uma
ideia de história onde se busca uma verdade absoluta sobre os sacerdotes e
principalmente um compromisso em explicar para a sociedade do século XX os
motivos dos sacerdotes do século XIX participarem do movimento de 1835 e de uma
insubordinação ao Bispado do Rio de Janeiro.
A importância da adesão dos sacerdotes seculares (clero
diocesano) à causa das independências, válidas tanto para a região de domínio
espanhol, quanto para a Província do Rio Grande foram expostas por Bidinotto da
seguinte maneira:
Na preparação das revoluções, através de
reuniões promovidas pela maçonaria e demais sociedades secretas; na repercussão
que seu posicionamento tinha entre os fiéis; na pregação política de que se
revestiam muitas vezes suas falas, tanto no altar quanto no confessionário; na
sustentação ideológica dos movimentos, principalmente no caso das revoluções no
Prata de domínio espanhol, onde havia um grande número de sacerdotes com
títulos universitários, muitos deles lecionando nas próprias universidades e,
por vezes, publicando o conteúdo de suas aulas; na sua participação nos
diversos debates políticos que se travaram nos congressos e assembleias, nos
quais se apresentaram em grande número; por fim, no auxílio que prestavam na
manutenção da ordem, quando assim se fazia necessário[14].
Arlindo Rubert afirma que a atuação do clero foi decisiva na
preparação e na efetivação da República Farroupilha[15]. Padoin[16] e Bidinoto trabalham com a participação
política dos sacerdotes nesse processo e afirmam que entre o clero republicano
sobressaem o Pe. José Antônio Caldas, o Pe. Juliano de Faria Lobato, Pe.
Francisco das Chagas de Ávila e Sousa, Pe. Hildebrando de Freitas Predoso e o
Padre João de Santa Bárbara. Esse último é citado por Walter Spalding como um:
Patriota
exaltado, também se não tornou indiferente ao movimento que eclodira a 20 de
setembro de 1835. Embora não tenha sido farroupilha de fato e, menos ainda,
republicano, pois que condenou, de certo modo, o movimento [...], teve, contudo influência nos
primórdios, ao condenar as arbitrariedades do governo de Fernandes Braga. E só
não tomou parte eficiente porque, eleito deputado para a terceira Legislatura
da Câmara dos Deputados, no Rio de Janeiro, para lá seguiu, assumindo o posto
com seus companheiros, o magistrado Manuel Paranhos da Silva Veloso e o
diplomata José de Araújo Ribeiro, em 1834, permanecendo até o final da
legislatura, em 1837[17]
Sobre tudo é inegável o empenho de historiadores
já citados nesse texto em investigar a participação dos sacerdotes durante a
Revolução Farroupilha, contudo ainda carece para a historiografia um estudo
relativo às igrejas do interior da Província do Rio Grande de São Pedro do Sul
um estudo que atenta-se para a movimentação do clero diocesano e a organização
da Igreja Farroupilha. Neste trabalho analisamos a região de Santa Maria
durante os anos de 1838 a 1840, como exemplo, que comprova a necessidade de
renovação do estudo sobre a mais prolongada Guerra Civil (1835-45) do Império
brasileiro. Buscando, também, identificar os sacerdotes que ficaram responsáveis
para atender à população local. Para essa constatação utilizamos registros de
batismos, óbitos e casamentos.
Assim, passamos para a compreensão
da região central da Província no contexto da Revolução Farroupilha. O Curato
de Santa Maria da Boca do Monte era o quarto Distrito da Freguesia de
Cachoeira. João
Belém, afirma que na Capela Curada de Santa Maria entre os anos de 1838 a 1840
não foram realizados nenhum sacramento, em decorrência da Guerra:
A
Capela, já então Igreja Matriz da Paróquia, certamente esteve fechada nesse ano
de 1837, como nos anos seguintes de 1838 e 1839, pois nos livros de
assentamentos não consta um batizado, um casamento, nem mesmo um óbito[18].
O relato contado por Belém parece convincente,
por aparentemente ser comprovado através da investigação dos Livros Tombos da
Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, por não haver indícios da vida da
Capela nesse período. Contudo, a partir da análise comparativa entre os
documentos do Arquivo (registros de batismos) e com a bibliografia pôde-se
comprovar a atuação do clero católico na cidade de Santa Maria durante os anos
de 1837 a 1840, na qual essa região aderiu ao Estado da República Rio-grandense. Nos
Livros de Bastimos podemos notar que a Capela Curada de Santa Maria foi atendida
subsequentemente, pelos padres João
de Santa Bárbara, Manuel Carlos Aires de Carvalho e o cura João Borges de Santa
Anna:
Aos quinze dias do mês de julho de mil
oitocentos e trinta e oito no distrito da Capela Curada de Santa Maria da Boca
do Monte, batizei e pus os santos óleos a Silverio filho de Benta escrava de
Francisco Silveira Dutra, e de pai incógnito, neto de Maria nação Rebola. Foram
padrinhos, Antonio Manoel d’Andrade e Francisca Joaquina d’Andrade. E para
constar fiz este assento[19].
Nos Livros de Batismos encontrados no acervo da Catedral de
Santa Maria, do ano de 1838, são registrados cerca de vinte batizados realizados, durante os meses de
junho a novembro, pelo Padre João de Santa Barbara. Já durante o ano de 1839,
houve diversos batizados registrados e realizados pelos Padres
João Borges de Santa Anna e Manoel Carlos Aires de Carvalho, assim como
registro de óbitos e de casamentos. Apesar desses documentos não conter um
conteúdo referente à visão política dos sacerdotes no que se refere ao
federalismo e a república, esses registros se tornam importantes para mapear as
atuações dos sacerdotes em diversas regiões da Província do Rio Grande de São
Pedro do Sul durante a Revolução Farroupilha, e demonstra que no momento em que
os farroupilhas dominavam o poder local da Vila de Cachoeira e de seus
distritos, entre eles Santa Maria, houve atuação dos sacerdotes farroupilhas
realizando sacramentos, e outros registros que não foram anulados após 1845,
quando os legalistas retomaram o controle total sobre a Província (através do
Tratado d Ponche Verde, março de 1845).
A tese do Pe. Hastenteufel[20]
cita os sacerdotes que receberam jurisdição do Vigário Apostólico da República
Rio-grandense para a efetivação das igrejas nas regiões de domínio farroupilha.
Um dos sacerdotes citados é o Pe. João de Santa Barbara, no qual é classificado
como partidário do movimento farroupilha, porém sem aderir ao Vigário Apostólico, Pe. Francisco das Chagas Martins de
Ávila e Sousa.
Foram
diversos os motivos para a participação dos sacerdotes nos movimentos dos
processos de construção e consolidação dos Estados Nacionais no século XIX. O padre Hastenteufel explica o cisma
administrativo eclesiástico de parte da Igreja católica do Rio Grande do Sul,
como parte de um contexto, em que se consolidou apenas pela ignorância do clero
católico que aceitou à República e ao Vigário que viam esse acontecimento como
uma oportunidade de ascensão econômica e de promoções nos cargos eclesiásticos;
elementos que devem ainda ser investigados, mas vale destacar que a maioria dos
presbíteros que passaram por Santa Maria, nesse período, possuíam acesso ao
conhecimento, eram bastante participativos politicamente e grande parte deles
eram de influentes famílias de fora do Rio Grande do Sul.
Não é por acaso que a Igreja Católica esteve ao lado dos
Estados que se formavam na Região do Prata no início do século XIX. A atuação
dos sacerdotes nesses processos era altamente importante, pois no âmbito
social, uma continuidade da Igreja como religião oficial do Estado também
poderia proporcionar o aumento do número de adeptos aos movimentos de
descolonização e representava o apelo pela manutenção da ordem vigente social. Como
é defendido por Chiaramonte, quando afirma que práticas sociais características
do “Antigo Regime” permaneceram nas sociedades dos Estados pós-independência
por grande parte do século oitocentista.
Por fim, cabe destacar um sermão do Pe. Francisco das Chagas
Martins de Ávila e Souza, em 1855, onde destaca o voto como a principal forma
de um povo usufruir da liberdade. Com um conhecimento do Direito das Gentes o
Vigário Apostólico da República Rio-Grandense afirmava o seguinte:
A Liberdade, Concidadãos, é sem duvida o
estado mais natural do homem, e o mais arvente desejo do homem, tudo o que
vive, e pensa aspira à liberdade (...) o homem não nasceu para a escravidão;
suas qualidades naturais; suas faculdades; suas forças; a consciência destas
vantagens; o uso que delas pode fazer, segundo sua vontade, tudo serve para o
confirmar. Esta liberdade porém não consiste nem na licença, nem na
independência absoluta de leis. Ser livre, não é obrar um princípio sem
designios, e somente pelos movimentos arbitrários da própria vontade; não é
desprezar, e transformar todos os limites; não é colocar-se acima dos deveres
da honestidade, e do decoro; não é viver apenas para nos, sem pensar em viver
para os outros. Não, leis, leis claras, exatas, e invioláveis que sujeição
todas as condições, todas as classes; o Monarqua [sic], o súbdito, o
Magistrado, o cidadão, leis tais são o primeiro fundamento, o solido fundamento
de liberdade sem limites, não coartada por lei alguma; e que quer obrar em tudo
conforme os seus desejos, deixe então a sociedade de seus semelhantes, volte
para o todo chamado da Natureza; vá viver entre aqueles que mais se lhe
assemelhão, entre os animais; ou encerre-se nos desertos como um eremita,
renunciei as vantagens, e prazeres da vida social; porque em toda a parte onde
os homens vivem em sociedade, onde eles querem viver tranquilos, e felizes é
preciso que hajão, é preciso que as leis, além de justas e convenientes sejão
ativas e superiores a tudo; é preciso que cada um sacrifique parte de sua
liberdade natural, para segurar a posse tranquila da outra parte; e quanto
maior a liberdade dos cidadãos em um Estado, tanto maior é a necessidade de
leis para conter nos seus limites. (...)
que vos adverte que o vosso voto é livre, e que não deveis privar-vos dessa
liberdade[21].
A fala que apresentamos do Pe. Chagas possui diversos
elementos em concordância com o discurso analisado nas correspondências de
Bento Gonçalves da Silva. Em seu discurso, mesmo após a Revolução Farroupilha
não houve mudanças significativas em relação à concepção de um Estado, o termo
liberdade foi usado como exemplo, pois é um termo que foi defendido durante
toda a Revolução Farroupilha e após a proclamação da República Rio-Grandense é
corriqueiramente associado ao termo república. Mas, a principal mudança que
encontramos nesse discurso de Francisco das Chagas é a referência a forma de
Governo: Monarquia Constitucional Representativa.
Verificamos que sua fala política durante o Império
brasileiro estava muito próximo de seu discurso durante a República
Rio-Grandense o que possibilita a compreensão de que muitos elementos que
estavam presentes na República Rio-Grandense não agradavam ao Vigário
Apostólico, contudo o discurso em torno da república, do federalismo, da
liberdade e outras bandeiras políticas possibilitaram mudanças no Império que
agradavam o padre Chagas, que logo após a Revolução Farroupilha tornou-se
secretário do Bispado da Província do Rio Grande do Sul.
Ideias
de república no contexto da Revolução Farroupilha
O periódico citado no início desse artigo, El Republicano, circulou por Montevidéu durante os meses de
maio a 30 de setembro[22]
de 1836, seu redator foi Cárlos Gerónimo Villademoros[23],
responsável pela publicação e reprodução de notícias que diziam respeito à
política mundial e, nestas encontram-se publicadas correspondências que citam a
Revolução Farroupilha. Entre as publicações, a mais notória diz respeito ao
início da “segunda fase”[24]
do movimento, ou seja, a Proclamação da República Rio-Grandense em 1836:
Cerro Largo, Septiembre 14
de 1836.
Como sé que Ud. Profesa
sentimientos de Libertad, no quiero dejar de darle noticias del triunfo que
obtuvieron las armas de los Liberales de la Provincia del Rio Grande al mando
del Coronel Netto, sobre Silva Tavares y los esclavos que le acompañan, el dia
10 del corriente en la Frontera del yaguaron (...) Las forzas de los Caramurus
era compuesta de 560 hombres, y de los Republicanos no excedía de 400; pero
estos con repetidas vivas dados por el Coronel Netto de REPUBLICA O MUERTE se
volvieron 400 LEONES[25].
Não sabemos a autoria da correspondência, e tampouco é
relevante para esse estudo a descrição da batalha que resultou na proclamação
da República Rio-Grandense, mas há questões do fragmento desse documento que
estimulam uma reflexão sobre a construção dos Estados Nacionais modernos no
Continente americano. A primeira diz respeito à circulação de notícias e ideias
no espaço fronteiriço platino, pois o fato é que a informação chegou até o
redator do El Republicano em três dias após o ato
realizado por Antônio de Souza Netto, no Seival, demonstrando que apesar da
distância e as prováveis dificuldades de comunicação da época, havia certa
rapidez na circulação de notícias e ideias pela região fronteiriça platina. Os
conceitos que aparecem nos jornais são expostos nas correspondências, isso
indica que esses periódicos eram lidos e comentados. Não eram apenas palavras
impressas, pois as pessoas se faziam valer desses conhecimentos para alcançar
seus objetivos pessoais.
Foi somente a partir de 1835 que parte da Província
pronunciou o termo república associado com a defesa da soberania entrando em
conflito direto com os legalistas, representantes e defensores da Corte do
Brasil. A postura da elite farroupilha[26]
nos anos antecedentes à Guerra Civil foi negar qualquer plano de separação ou
defesa de uma república. Principalmente porque o termo república para os
legalistas, presentes na Assembleia Provincial, era sinônimo de anarquia e
qualquer ato que incitasse um movimento de independência poderia colocar em
risco a ordem e o controle social, fatores que eram fortemente defendidos na
Província tanto por legalistas (monarquistas) quanto farroupilhas (republicanos
e monarquistas).
As ideias e notícias circulavam rapidamente pelo espaço
fronteiriço platino. A república estava longe de ser uma novidade quando foi
pronunciada por Antonio de Souza Neto, em 1836. Porém, o termo adquiriu
diversos significados ao longo do tempo possuindo um sentido próprio em
determinados períodos do tempo histórico. Uma vez que no contexto da criação
dos Estados Nacionais a formulação do conceito de república esteve ligado a
outros projetos políticos e foi articulado com a realidade em que o sujeito
está inserido.
Há poucos dados sobre as
ideias de república defendidas na Província do Rio Grande do Sul antes de 1830.
A elite que comandou a Revolução Farroupilha (1835-45) poucas vezes registrou a
defesa de uma república como modelo político proposto para a Província. Havia
um temor muito forte quando a palavra república e independência eram
pronunciadas e poucos anos antes da Revolução Farroupilha essa constatação foi
comprovada na Assembleia Provincial no início do ano de 1835[27].
Para os monarquistas da
Assembleia Provincial uma república era sinônimo de anarquia e estava ligada a
separação entre a Província e o Império brasileiro. O fato é que ao mesmo tempo
em que os Estados Unidos serviam como exemplo para a elite do restante da
América, a repercussão da independência do Haiti marcou o posicionamento da
elite em todo o Continente. Não é em vão a preocupação na cidade de Porto
Alegre no mês de setembro de 1835 com os rumores que negros
estavam organizando uma insurreição. Como é exposto na correspondência de Bento
Gonçalves da Silva em setembro de 1835:
Com o maior prazer passo a participar-lhe o completo triunfo que há
obtido a causa das leis sobre a facção retrógrada, triunfo tanto mais nobre
quanto há sido incruente. (...) quem creria que esse malvado [Braga] antes de
abandoná-la ousasse mandar armamento para a colônia dos alemães autorizando
braços estrangeiros a verter o sangue brasileiro; felizmente a providência
velou sobre nossa cara Pátria; e minhas deliberações fizeram abortar tão
nefando plano e o armamento já se acha em meu poder; presentemente os alemães
já se acham tranquilos e os poucos que já se tinham reunido voltaram a suas
casas desenganados que não havia insurreição de negros como se lhe havia feito
crer, na cidade reina a mais completa tranquilidade; os mesmos portugueses que
se tinha alarmados pelas proclamações do ex-Presidente, e que temiam roubos e
mortes, voltam já a suas casas pois conhecem que não têm que temerem até que se
conservem na posição que como estrangeiros lhe convém (...) Até agora a nossa
revolução é sem mancha e temos que leva-la ao fim do mesmo modo. Guerra à morte
aos chefes da facção aborrecida e inimiga das nossas liberdades; porém poupamos
os iludidos[28].
Nessa primeira fase a
elite, representada por Bento Gonçalves da Silva apresentava e defendia a
Revolução Farroupilha como uma luta contra os retrógrados que estavam no poder,
que era representada pela Corte, lutavam em prol das suas
liberdades, em nome do triunfo das leis e preocupados com a ordem e a segurança
pública tudo isso justificado através de um discurso em defesa da
unidade territorial brasileira, que tinha preocupações em deixar claro que não
era um movimento separatista.
Já lhe escrevi comunicando-lhe que nossos
inimigos fantasiaram um partido republicano que pretende a separação da
Província. Essa caluniosa invenção foi o meio mais a propósito que eles
encontraram para dividir-nos, e, sobre o pretexto de baterem o inventado
partido, alarmarem-se para a reação esta já está em campo. (...) A recusa ou
demora do Presidente nomeado vir tomar posse como resolveu a Assembleia tem
tomado o caso mais melindroso, que tanto mais se agrava quanto se esforça o
novo Presidente em repetir o eco em nossos inimigos com respeito a república e
separação. Onde pois existe esse partido republicano? Quem são seus chefes?
Quem são seus agentes? Onde os documentos que comprovem uma tal invenção? Nada
responde... e continuam a reunir nossos inimigos engajar todo o homem que é
avesso a nossa revolução, ameaçando-nos com toda a qualidade de castigos! E
será possível que consintamos que esses covardes nos lanças os ferros que nos
preparam? Não... Os patriotas de 20 de setembro como eu detestam a república e
a separação da Província, querem o Presidente nomeado, mas não podem ver seus
mais encarniçados inimigos à frente de mercenários dar-lhes a lei!!! (...) Nada
de república, nada de separação de Província, porém nada
de consentirmos os nossos inimigos levantarem o colo e dar-nos a lei[29].
Justamente por
documentos como esse em que Bento Gonçalves e outros representantes da elite
farroupilha recusavam associar suas intenções com ideias republicanas que
alguns historiadores como Calvet concluíram que o principal líder da Revolução
farroupilha não era republicano e era brasileiro acima de tudo. Para muitos
historiadores que atribuíram uma importância e trataram as fontes documentais
como conteúdos insuspeitos da história, utilizaram esses documentos como
“provas”, para apoiar a ideia de que Bento Gonçalves não pretendia formar uma
república e separar a Província.
O primeiro ano da
Revolução Farroupilha demonstrou uma preocupação em realizar um movimento legal
ou que no mínimo utilizavam-se das leis vigentes como uma arma aliada para a
disputa de poder na Província. Caso contrário as forças imperiais de dentro e
fora da Província assim como os Estados vizinhos, como a República do Uruguai
ou a Confederação Argentina, desmobilizariam rapidamente o movimento.
Em nome da república
Bento Gonçalves escrevia para outros representantes da elite farroupilha
durante os anos de 1836 e 1837 justificando o movimento em defesa da liberdade.
Deixava registrada que a luta era contra uma corte corrupta, composta de
Portugueses, Tiranos e Déspotas representantes do absolutismo.
Entre os anos de 1835 e
1837, Bento Gonçalves afirmava que a elite farroupilha lutava pela liberdade da
Província, adotaram uma forma de Estado, mas em nenhum momento se refere como
sendo uma forma contrária à monarquia, mas república era defendida como meio
para lutar contra o governo tirânico do
Brasil.
Cheio de maior satisfação possível participo a V. Exa. que as forças
restauradoras das leis que se achavam sitiando essa vila entraram hoje às 11 da
manhã entre aclamações e festejos de seus habitantes. (...) Eu posso segurar
que nestas circunstâncias se tem desenvolvido todo o patriotismo e amor à ordem
dos dignos habitantes deste município, e tenho bem fundadas razões de esperar
que será mantida a ordem e segurança pública, pois os principais fautores da
facção retrógrada fugaram dispersos, tendo previamente passado toda a força com
que contavam para as nossas fileiras. Ansioso de participar a V. Exa. o triunfo
da causa das leis (...)[30].
Podemos encontrar um
exemplo paralelo quando do embate entre dois grupos republicanos em Montevidéu.
Através dos periódicos La Nación e El Republicano, editores destes entraram em conflito através
de correspondências que acabavam sendo publicadas nas edições destes
periódicos. Entre tantos debates os editores do periódico El
Republicano após serem provocados sobre seus conhecimentos
referentes a um governo republicano, respondem à altura das provocações,
comentando também sobre o despotismo: “O despotismo pode haver tanto em um
governo republicano, quanto em um governo monárquico”[31].
Ou seja, nesse caso uma luta contra o despotismo não é uma luta necessariamente
contra a Monarquia.
Podemos nos perguntar se
essa concepção de despotismo era compartilhada entre grupos republicanos do
Uruguai/Banda Oriental e da Província do Rio Grande. No entanto, não podemos
descartar a hipótese de ser apenas uma estratégia de Bento Gonçalves para não
afirmar uma luta contra a monarquia, por ser um sistema que era defendido por
um grupo importante de farroupilhas engajados na luta republicana.
Os conceitos possuem um sentido comum (são ideias normativas
legítimas) facilitador para a compreensão para aquele que se depara com esse
termo[32].
Mas, república no contexto da Revolução Farroupilha está inserida em um projeto
de Estado que era articulada com outros termos políticos como liberdade,
soberania, autonomia, federalismo, entre outros conceitos que assim como aquele
termo é resultado do conhecimento secular produzido sobre esses conceitos, que
eram articulados com a realidade e anseios de cada sociedade.
Segundo Bobbio, república hoje é entendida como forma de
Estado que contrapõem a monarquia, ou seja, república é uma forma de governo,
onde o chefe do Estado (podendo ser várias pessoas) é eleito pelo povo de forma
direta ou através de assembleias primárias ou representativas. Contrastando com
a monarquia pelo fato do representante desta ter acesso ao supremo poder por
direito hereditário e com cargo vitalício.[33]
Mesmo que esta monarquia possa se estruturar quanto a divisão do poder político
executivo, nos cargos do presidente e do primeiro ministro, podendo dar um
caráter parlamentar a forma de governo (Ex: Grã-Bretanha). Porém, no Brasil da
primeira metade do século XIX, especialmente o primeiro Império, a experiência
é de uma monarquia centralista, característica muito citada e criticada pelos
farroupilhas rio-grandenses. Assim sendo, o significado do termo república
envolve e muda profundamente com o tempo, adquirindo conotações diversas,
conforme o contexto conceptual em que se insere, bem como com as
especificidades do sujeito que fala, do seu contexto histórico e espacial, de
suas relações sociais e de poder.
Para tanto, neste trabalho, partiremos da apresentação de
fontes documentais do período em que o termo “república” aparece, para
posteriormente iniciarmos uma reflexão, com base em pesquisa bibliográfica, do
entendimento deste termo político entre os farrapos. Assim, a república é
entendida como um sistema de governo diferenciado da monarquia e que prevê a
divisão de poderes e a participação popular? Ou a república é uma forma de
governo em que a participação política do cidadão e a descentralização
administrativa convivem em um regime monarquista em que a autonomia provincial
é entendida/admitida como república apenas em nível local (pequenas repúblicas
com laços monárquicos)?
Nesse intento, é necessário citarmos aqui o trabalho de
dissertação de Eduardo Scheidt, que tem por título Concepções
de República na Região Platina à época da Revolução Farroupilha
(1835-1845)[34].
Seu objetivo foi analisar de forma comparada as concepções de república para os
farroupilhas rio-grandenses e para parte dos rio-platenses[35],
que formaram uma coalizão contrária ao Governo de Rosas, governador da
Província de Buenos Aires.
O autor trabalhou/apresentou a Revolução Farroupilha a
partir da História comparada como fundamentação teórico explicativa,
compreendendo que na Região Platina haviam ideias/projetos políticos que
possuíram inspiração de teóricos e exemplos de fora do Continente americano,
mas que foram adaptadas para a realidade da região. Nesse sentido, a partir de
uma pesquisa predominantemente em periódicos da República Rio-grandense e de
periódicos de Montevidéu e Corrientes que faziam oposição ao governo de Rosas,
entende que o espaço Platino possibilitou um intercâmbio de ideias que ficou
evidente a partir da imprensa Farroupilha, pois de maneira geral, predominou a
concepção de República Igualitária entre 1838-40 e, posteriormente, até 1845 a
República Liberal.
Scheidt define a(s) república(s) no Rio da Prata como
incompatível com a monarquia (fato evidenciado a partir da Proclamação de
Independência das Províncias Unidas do Rio da Prata, Congresso de Tucumán, em
1816), pois desde então os “rio-platenses” declaravam-se livres e republicanos,
diferenciando-se dos espanhóis colonialistas e monárquicos. Concluiu que no Rio
Grande do Sul o republicanismo passou a ter relevância significativa a partir
da Revolução Farroupilha. Através da república os farrapos buscaram, entre os
anos de 1836 até 1845, garantir a autonomia local tentando construir um Estado
soberano e independente.
Para a elite farroupilha e para os rio-platenses opositores
ao regime de Rosas, o autor explica que República representava um espaço
territorial soberano, que coincidia com os Estados que se tentava construir, em
meio as lutas contra as políticas centralizadoras do Império e de Rosas.
Portanto, a república é entendida aqui como forma de governo oposto à monarquia
e que era apresentada/defendida pelos rio-grandenses através da imprensa
farroupilha até 1840, influenciada por Manzini, como um regime político onde há
participação popular e igualdade entre esses cidadãos. Para Scheidt, prevaleceu
no decorrer do movimento uma defesa da República Liberal, oposta à República
Igualitária, onde foi defendido os interesses individuais acima dos coletivos,
entre eles o direito a propriedade privada, havendo uma redução participativa
do cidadão através da defesa da república representativa, evidenciada nos
embates do jornal “O Americano” e no estabelecimento da Assembleia
Constituinte.
Também Moacir Flores, no livro Modelo
Político dos Farrapos, apresentou um estudo sobre as ideias
políticas durante a Revolução Farroupilha, em que procurou definir as correntes
ideológicas que fundamentaram a República Rio-Grandense. Assim, Flores considerou
a Revolução Farroupilha inserida no contexto das revoluções brasileiras que
procuraram impor o ideário liberal, presente na Constituinte de 1823, ou seja,
maior autonomia do poder Legislativo a fim de evitar a ditadura do Executivo[36].
No trabalho de Eduardo Scheidt se observa certa carência de
fontes documentais, como por exemplo, da utilização das atas das Câmaras
municipais e correspondências da Coleção Varela, documentos que em parte, foram
pesquisados por Moacir Flores.
Junto a estes autores, citamos ainda o trabalho de Morivalde
Calvet Fagundes[37],
em que apresenta a história da Revolução Farroupilha através de uma narrativa
nacionalista, porém registra informações muitas vezes esquecidas pela
historiografia, como por exemplo, a importância do papel do Juiz de Paz de
município, especialmente no período inicial da Revolução Farroupilha.
Calvet cita em seu livro a importância do Juiz de Paz para o
sucesso inicial da conquista das cidades pelos farroupilhas, contudo esta
informação não foi devidamente explorada em seu trabalho. Função essa que Ivo Coser
analisou em seu trabalho Federalismo-Brasil
e concluiu que o cargo de Juiz de Paz representou uma ideia Federalista,
característica das décadas de 1830-40, sinônimo de descentralização de poder
para o âmbito municipal.
Isto nos leva buscar inspiração no que foi exaustivamente
trabalhado na historiografia argentina, a partir da produção de José Carlos
Chiaramonte, especialmente em seu livro Cidades, Províncias e
Regiões. Nesta obra apresenta uma parte substancial da história da
formação do Estado Argentino, em suas palavras, analisa a
natureza das primeiras entidades soberanas
surgidas desde o início do processo de independência e as correspondentes
concepções políticas nela implicadas. Ou seja, a emergência em primeiro lugar,
da cidade soberana, sucedida imediatamente pelo Estado provincial como
protagonistas inéditos no cenário político do período, paralelamente às
fracassadas tentativas de organização de um Estado nacional rio-platense[38].
Assim, as cidades possuíram papel fundamental, enquanto
primeiros núcleos políticos no processo de independência dos Estados
hispano-americanos. Acreditamos que na organização do Estado da República
Rio-Grandense também ocupará papel significativo, como podemos observar na
seguinte publicação da Ata da Câmara Municipal de Alegrete de 1837:
Tendo a Câmara Municipal de Piratini,
oficiado à de Alegrete, comunicando-lhe a declaração da Independência
Rio-Grandense (11-Set-1836), esta municipalidade, em Sessão de 16 de Junho de
1837, resolveu aderir à manifestação republicana da sua congênere. Determinou,
para esse fim, uma sessão extraordinária para o dia 24 de Julho, fazendo-se
público convite por Editais, em todo o município, às autoridades, funcionário e
povo, a fim de retificarem os seus juramentos e assistirem a tão transcendente
acontecimento político. Foi também, para o mesmo dia ordenado ao Pároco da Vila
(Pároco Manoel Carlos Airez de Carvalho), a celebração de um Te Deum, com missa
solene e oração análoga ao ato da Independência.
Edital de Convocação
A Câmara Municipal desta Vila, tendo em
vista o bem estar dos seus concidadãos e dissipar as lutuosas divergências que
motivaram a devastadora guerra civil, acordou, em Sessão Extraordinária de
hoje, a exemplo da Câmara de Jaguarão e ofício, que acaba de receber de
Piratini, proclamar a independência do Governo Imperial; ato este que se
efetuará no dia 24 de corrente mês (24 de Julho de 1837); para este fim e
comparecimento no aprazado dia, no paço desta Câmara, convida os habitantes
desta Vila e seu Termo, a bem da assistência de um ato de tanta transcendência
e mesmo para que não se chamem à ignorância, deixando destarte de alterar a
tranquilidade e boa harmonia que deve existir em o povo deste município. E que
para a todos constasse mandou publicar e afixar o presente.
Paço da Câmara Municipal de Alegrete, em
Sessão extraordinária. 16 de Junho de 1837[39].
Nesse documento ficam evidentes alguns pontos que
caracterizam a República Rio-Grandense. Em primeiro lugar destacamos,
rapidamente, a importância da Igreja Católica e da atuação do clero diocesano
no processo de formação e consolidação do Estado, assim como em toda a Região
Platina.
Outro fator diz respeito à importância do posicionamento e
legitimação da instituição municipal para a adesão à república, ou seja, este
documento exemplifica objetivamente o momento em que os membros da Câmara
Municipal invocam o Direito de soberania, no momento que se posicionam
organizando administrativamente sua região, ligando-se a outras cidades que
juntas passariam a formar o Estado Rio-Grandense. Neste momento, vemos uma
república onde se denomina a partir da participação do cidadão, na qual
reivindica a independência do Império brasileiro, mas subordinada a um Estado
composto por cidades republicanas com certa autonomia administrativa. Em outras
palavras, podemos dizer que entre os anos de 1835-1845 a participação do cidadão
foi fundamental e garantiu às cidades, como pequenas repúblicas, o papel de
protagonistas do processo que caracterizou o surgimento de um Estado definido
como republicano, mesmo que nem todos os rio-grandenses fossem farroupilhas.
O fato dos cidadãos decidirem os rumos de suas cidades
apresenta-se como um aspecto importante que, remete-nos ao conceito de
república, onde o cidadão possuía a “liberdade de participar
coletivamente do governo e da soberania”[40],
uma vez que naquele momento eram os cidadãos que participavam diretamente nos
assuntos políticos de sua região.
Nesse sentido, demonstramos a partir desses autores e do
protagonismo das Cidades, através da participação de seus cidadãos, no processo
de construção dos Estados Nacionais modernos, que a Revolução Farroupilha,
mesmo sendo o tema mais trabalhado pela historiografia no Rio Grande do Sul,
possui lacunas que podem ser exploradas a partir de novos olhares e da
divulgação/publicação de documentações que muitas vezes ficam esquecidas pelos pesquisadores
nos arquivos públicos, são importantes indícios para formulação de hipóteses
explicativas do passado.
Desta forma acreditamos que a pesquisa em fontes
documentais, como, atas das câmaras provinciais e correspondências dos
integrantes da Revolução Farroupilha poderão trazer novos indícios para a
discussão do significado da república entre os farroupilhas.
Assim, sendo, analisando as correspondências publicadas de
José Pinheiro de Ulhoa Cintra[41]
e Manuel Lucas de Oliveira[42]
demonstraremos as linguagem política utilizadas nas correspondências enviadas
para Domingos José de Almeida entre os 1835 à 1845. Linguagem que, também, pode
ser estudada a partir dos conceitos- República Igualitária e República Liberal-
elaborados no trabalho de Eduardo Scheidt. A ideia é exercitar a formulação
teórico-explicativa que autor elaborou e aplicou no trabalho com periódicos,
para a nossa análise de um conjunto de correspondências, fontes na qual
julgamos ser um complemento indispensável para investigar a definição de
república para os integrantes da elite farroupilha, objetivando responder
algumas lagunas através dos nossos questionamentos.
A elite farroupilha não era homogênea em seu ideário
político, pois este fato ficou explícito, na Assembleia Constituinte de 1842,
na qual havia o grupo da maioria que defendia o Federalismo enquanto projeto de
um Estado Republicano Federal, admitindo laços de Confederação com outros
Estados; grupo representado por Bento Gonçalves da Silva e Domingos José de
Almeida. E o grupo da minoria com propostas e aspirações diversas, usava a
bandeira do federalismo para combater o centralismo do Estado Imperial
brasileiro e com o objetivo de participar no poder local e/ou provincial. Esta
elite caracterizava-se detentora do poder econômico e/ou do conhecimento
intelectual, na qual muito de seus membros pertenciam à maçonaria. Era composta
por estancieiros, charqueadores, comerciantes, militares e sacerdotes.
O fato de haver conflitos na disputa do poder interno
durante a Revolução Farroupilha e a divisão entre dois grupos, as queixas e os
aspectos negativos do Estado ficavam explícitas nas correspondências escritas
por Ulhoa Cintra, a partir de 1840, quando retorna para Alegrete para assumir
seu cargo como deputado na Assembleia Constituinte e Legislativa da República
Rio-Grandense.
Consta-me que alguns coletores, à exceção do
desta vila, que é mui honrado, cometem escandalosamente o crime de peculato, e
de um sei que todos os indícios o condenam de locupletar-se à custa dos
dinheiros da Nação. A arrecadação das rendas públicas é muito mal fiscalizada,
porque os chefes militares, que primeiro deviam dar o exemplo de obediência à
lei e auxiliar aos coletores e fiscais, são os mesmos que não só clamam
publicamente contra tais repartições, esforçando-se para torná-las odiosas ao
povo, mas até protegem e apoiam o contrabando e o extravio das rendas
nacionais, e alguns até tem sabido aproveitar-se das circunstâncias para
fazerem a sua fortuna com prejuízo do Estado. O Governo parece que quis remediar
este mal, autorizando somente aos generais Bento Manuel e Neto para poderem
sacar contra as coletorias; mas este por sua parte têm também autorizado a
diversos chefes militares para fazerem tais saques, e em consequência, não só
as rendas públicas são em grande parte distribuídas para outros fins alheios à
intenção do Governo como também este deve achar-se em apuros para acudir ao seu
crédito, pois à vista dos balancetes, contando com certas somas nas coletorias
e distribuindo-as em consequência, terá muitas vezes de enganar-se e de
comprometer a sua reputação[43].
Provavelmente, Ulhoa Cintra possuiu outros motivos, além de
um posicionamento ideológico republicano, que o levou a denunciar a apropriação
indevida das rendas públicas do Estado Rio-Grandense, entre eles as intrigas
que citamos anteriormente, contudo, podemos perceber nessa correspondência uma
postura republicana de Ulhoa Cintra ligada à defesa do bem comum, da coisa pública, na qual defende o bem coletivo acima dos
interesses individuais. No mesmo texto notamos que há um princípio de que uma
república é um sistema onde todos os cidadãos, sem distinção em questões de
deveres, estão subordinados às leis constitucionais, em outras palavras ele
afirma que os chefes da República estão sendo contrários aos princípios
pregados e com isso acabam perdendo adeptos na luta pela liberdade. Assim,
percebemos também outras linguagens políticas como a defesa da propriedade
privada, segurança individual e que a república nesse contexto está contraposta
ao sistema monárquico (não será definida dessa maneira em toda a Revolução
Farroupilha), por considerarem a Corte corrupta e por abusar das suas
atribuições.
Quem diria que depois de tão heroicos
esforços e sacrifícios a prol da liberdade, para subtrairmo-nos ao arbítrio de
uma corte venal e corrompida, cairíamos debaixo de um jugo mais ignominioso e
aviltador?[sic] (...) nos diversos pontos da Campanha é o povo vítima das
violências e caprichosas arbitrariedades de alguns chefes militares; que não se
goza segurança individual; que o direito de propriedade não é respeitado; que a
jurisdição das autoridades constitucionais e menoscabada, e que finalmente a
espada é só quem dita a lei[44].
A defesa da propriedade privada e o respeito às leis
constitucionais serão linguagens políticas que estarão presentes no discurso da
elite farroupilha desde o princípio da Revolução Farroupilha. Podemos notar
essa defesa nas correspondências de Ulhoa Cintra, Manuel Lucas de Oliveira,
assim como nas correspondências da Câmara de Alegrete para o Governo da
República Rio-Grandense.
Compatriotas, a Liberdade dos homens é bem
real quando se aplicam os meios, impera a Lei e a Justiça, preside e deve ser
mantido por todos os Cidadãos, seja qual for sua classe e hierarquia: não temos
privilégios, não devemos consenti-los quando se trata da Guerra heroica de
sustentar a República [...]. Quando o exija a sua sustentação da ordem, a
liberdade e a segurança dos Cidadãos. Juramos enfim defender a República com
todo o vigor e dignidade, respeitar nosso Governo, colocar as Leis em seu
devido império, observa-las e fazê-las respeitar, venerar a virtude onde quer
que ela exista e fazer guerra ao vício, ao crime, pelas mesmas Leis[45].
Contestação ao Presidente da República Rio
Grandense
A Câmara Municipal da Vila de Alegrete, vem
por meio da presente reclamação, expor a Vossa Excelência os motivos em que se
fundou para não dar execução aos Decretos seguintes: 1) De 11 de novembro de
1836, respeito ao sequestro, ou confiscação de bens que não se apresentassem,
dentro de certo prazo, ao Governo da República [...] Com a execução de
semelhantes decretos, Excelentíssimo Senhor, o Governo de Vossa Excelência,
sofria mingua em sua força moral, o que já não seria pequeno dano para a
República; porém, o que ainda demais perigoso aí se observa é o descrédito e
transtorno que também sofreria o sistema republicano, a cuja pureza e restrita
observância ora se acha ligada à sorte do continente [...] A Constituição
Brasileira, em que vemos garantidos os direitos do homem, e as liberdades que a
Assembleia Geral Legislativa do Império do Brasil tem feito, são filhas da
experiência, do patriotismo e da sabedoria, e foram abraçadas pelo povo
rio-grandense, com entusiasmo decidido ao serem promulgadas. Um Ministro de
Vossa Excelência não as pode por debaixo dos seus pés. A revolução por que a
nossa Pátria está passado, Excelentíssimo Senhor, não se dirige contra os
direitos do homem, já entre nós já conhecidos e garantidos, e sim contra um
governo estranho, que nos pretende oprimir; não é ela feita certamente para nos
privarmos das boas leis, que por felicidade nossa já se acham estabelecidas,
mas para adquirirmos outras melhores[46].
Assim, a parcela da elite farroupilha que se denominava
republicana defendia que todo o Cidadão, independente de possuir um cargo no
Governo, deveria respeitar as leis constitucionais, no caso a Constituição do
Império do Brasil, que se adequada para o contexto da Revolução Farroupilha e
se aplicou para a organização do Estado da República Rio-Grandense. Scheidt
classifica as linguagens políticas como República Liberal,
definido como “aquele que garantiria os direitos individuais dos cidadãos acima
dos coletivos, através da liberdade de ação, de pensamento, de religião e,
especialmente o direito a propriedade” e como a República
Igualitária, que era caracterizada “pela defesa do bem comum, da
garantia dos interesses de toda a comunidade sobre os dos particulares, bem
como aspirava a mais ampla igualdade entre os cidadãos”[47].
Pela documentação trabalhada até o momento, podemos dizer
que ora aparecem a defesa dos interesses individuais e ora do coletivo, de
acordo com o propósito a que o sujeito/personagem se dirige. Isso leva-nos a
defender que os registros analisados têm um forte caráter liberal, ou seja, a defesa
de uma república liberal.
Considerações
finais
O estudo sobre a maior guerra civil da história rio-grandense e brasileira é o objeto da nossa pesquisa por ser entendida como uma variável do processo de construção e consolidação do Estado nacional, assim como manifestação e defesa de um projeto político federalista e republicano. É nesse sentido que direcionamos a construção desse trabalho, compreendendo a história do Rio Grande do Sul durante o século XIX ligada à história da América, levando em consideração o espaço fronteiriço platino e suas características econômicas, sociais e políticas bem como as relações que este espaço possibilitou.
Os significados e projetos políticos estiveram presentes no
espaço fronteiriço platino. As ideias políticas não eram apenas importadas da
Europa ou da América do Norte. A elite do espaço fronteiriço platino possuía
formação intelectual, contava com os Gabinetes de leituras e as Sociedades
Secretas como lugares de formação e intercâmbios de conhecimentos, como também
de circulação de pessoas e ideias (muitas vezes ligadas por vínculos
maçônicos).
Para uma reflexão inicial referente à identificação dos significados de república atribuídos pela elite farroupilha consideramos relevante pensar a importância das cidades e de seus cidadãos para a formação da República Rio-Grandense, assim como a linguagem política presente nas correspondências particulares, para que possamos traçar algumas hipóteses explicativas.
No discurso da elite farroupilha estará presente, durante todo o período da Revolução Farroupilha, uma mescla de definições república, onde será utilizada uma linguagem política de acordo com o contexto histórico e em sintonia com as motivações de quem pronuncia esse termo. Nesse sentido, para república será atribuído tanto o significado primitivo de res publica, no qual colocava em destaque a coisa pública, a coisa do povo, o bem comum e a comunidade. Como, associando a palavra Republica a uma extensão territorial pequena (as Cidades), que permitia uma relativa igualdade entre os cidadãos, com leis que expressassem a vontade popular e como sinônimo de virtude que levava os cidadãos a antepor o bem do Estado ao interesse particular. Contudo, será fortemente defendida entre os farroupilhas aspectos da República liberal, que surgiu a partir das Revoluções Norte-Americana e Francesa, entre esses aspectos estará presente a defesa do Sistema Representativo Republicano defendido com bastante ímpeto durante a elaboração do Projeto de Constituição da República Rio-Grandense, no início da década 1840.
E notório que no decorrer da Revolução Farroupilha as
desavenças se agravaram entre a elite. Questões que eram impostas e que mudavam
profundamente a ordem social vigente muitas vezes não resultaram de um
consentimento entre os membros do Estado da República Rio-Grandense o que foi
gerando descontentamentos e uma mudança de discurso ao longo dos dez anos.
Durante a Revolução Farroupilha a república relacionada com a defesa do bem
comum, do bem público, da defesa da propriedade e da representação da luta pela
liberdade foram associações que se mantiveram ao longo dos anos de 1835 até
1845.
Mas, a república que nos primeiros anos da Revolução Farroupilha estava relacionada a soberania local/municipal ao longo do processo resultou em uma concepção de república como forma de Governo associada ao sistema de Representação (Projeto de Constituição da República Rio-Grandense) e incompatível com o Sistema Monárquico, postura que foi sendo assumida a partir de 1838 e 1839 por parte da elite farroupilha.
Por princípios patrióticos os sacerdotes que investigaram tanto
as ideias de república como a participação dos sacerdotes durante a Revolução
Farroupilha esforçaram-se para diminuir essa participação do clero na separação
entre a Igreja farroupilha e o Bispado do Rio de Janeiro (1838-1845), um
exemplo é a obra O clero católico na epopeia farroupilha
escrito por Pe. Jaeger. No entanto, ao estabelecer uma comparação entre a
historiografia trabalhada sobre o tema e documentos presentes nos arquivos das
paróquias e dioceses do interior do Rio Grande do Sul, podemos notar que em todos os momentos,
desde a elaboração dos projetos políticos até a proclamação da República
Rio-grandense e nas negociações de pacificação com o Império brasileiro, tivemos
a atuação dos sacerdotes.
Aceptado: 20 de diciembre de 2013
Las ideas de república y la
participación de los sacerdotes durante
Resumen
Este estudio
integra a las actividades del Grupo de Investigación del CNPq / UFSM y el
Comité de Historia, Regiones y Fronteras AUGM.
Palabras clave: Clero;
Elite; Poder; República; Revolución Farroupilha.
Maria Medianeira Padoin - Alessandro de Almeida Pereira
The Republic ideas and the
participation of Priests at the Farroupilha Revolution (1835-45)
Abstract
This study is part
of the activities carried out by the Research Group CNPq /UFSM and the
Committee "History, Regions and Boundaries" of AUGM. The Farroupilha
Revolution, that occurred from 1835 to 1845, involved different representations
of the society. However, in spite of being a
subject frequently studied by historiography priets’ participation still
lacks explanations. From research in historiography and documents (such as the
Varela Collection, the Proceedings of Municipalities, Baptisms books and
newspapers), we noticed that the priests had a decisive participation,
especially in the educational and religious formation, with direct
participation in the administration and in the constitution of the Rio-Grande
Republic, including the representation in government jobs and in the
“Farroupilha church”. In this sense, we emphasize the republic ideas for the
fearroupinha elite.
Keywords:
Priests; Elite; Republic; Power; Farroupilha Revolution.
Maria Medianeira Padoin - Alessandro de Almeida Pereira
*
Esse artigo foi apresentado no IV Encontro Nacional do GT História das Religiões e das
Religiosidades-ANPUH-Memória e Narrativas nas Religiões e nas Religiosidades,
em novembro de 2012.
**
Professora do PPG- História e do Departamento em História da Universidade
Federal de Santa Maria, RS, Brasil. Coordenadora do Grupo de Pesquisa CNPq/UFSM
História Platina: sociedade, poder e instituições. http://lattes.cnpq.br/7863155517478900.
***
Mestrando na Linha de Pesquisa Integração, Política e Fronteira do Programa de
Pós Graduação em História da Universidade Federal de Santa Maria. Bolsista
CAPES-DS. http://lattes.cnpq.br/3219562506129960.
[2] “As forças
dos Caramurus eram compostas de 560 homens, e dos Republicanos não excedia de
400; no entanto estes com repetidas vivas dadas pelo Coronel Netto de República
ou Morte tornaram-se 400 Leões”. El Republicano,
Montevidéu, Nº 118, 24 de setembro de 1836, tradução nossa.
[3] Calvet Fagundes, Morivalde, História da Revolução
Farroupilha, 2 ed. Caxias do Sul: Universidade de Caxias do Sul;
Porto Alegre: Martins Livreiro, 1985.
[4] Di Meglio,
Gabriel,
República Argentina. in Javier Fernández Sebastián (org.), Diccionario
político y social del mundo iberoamericano, V. I, Centro de Estudios Políticos y constitucionales, Madri, 2009,
pp. 1270-1281.
[5]
“O espaço compreende os territórios onde se
localizam Buenos Aires e províncias litorâneas da Bacia do Prata, da atual
Argentina, o território do Uruguai (atual) e a região
da campanha do Rio Grande do Sul”. Padoin, M. A, “Revolução
Farroupilha na História da América Latina”, en Milder, Saul E. S., Recortes da história brasileira, Martins Livreiro-Editor,
Porto Alegre, 2008, pp. 13-23.
[6] Piccolo, Helga I. L., Vida política no século 19: da descolonização ao movimento republicano, Ed. da
Universidade/UFRGS, Porto Alegre, 1992.
[7]
Possuía a função de nomear párocos para as igrejas abandonadas
pelos sacerdotes que não concordavam com as ideias separatistas, tanto sobre a
questão do cisma administrativo, quanto à independência da Província. Para as
questões eclesiásticas, como a aquisição dos Santos Óleos para a realização dos
sacramentos obteve apoio do Vigário Apostólico da República Oriental do
Uruguai, Dámaso Larrañaga.
[8]
Documentos
interessantes para o Estudo da Grande Revolução, V. 2, Museu do Arquivo Histórico do Rio Grande
do Sul, Departamento de História Nacional, Porto Alegre, 1930, p. 100.
[9]
Bidinoto, L. M., Clero secular e poder
político nos movimentos de Independência do Prata, Universidade Federal de Santa Maria, 2005,
p. 24. Dissertação de Mestrado.
[10]
Rubert, Arlindo, O antigo clero diocesano do Rio Grande do
Sul (1737-1910),Gráfica Pallotti, Santa Maria, 2005.
[11]
Jaeger, Luís Gonzaga, O Clero na Epopéia
Farroupilha, Porto Alegre, 1946.
[12]
Hastenteufel, Zeno, Dom Feliciano: na Igreja
do Rio Grande do Sul, Acadêmica, Porto Alegre, 1987.
[13] Chiaramonte, José Carlos, Cidades, Províncias,
Estados: Origens da nação Argentina
(1800-1846), Aderaldo & Rothschild, São Paulo, 2009.
[14]
Bidinoto, L. M., 2005.
[15]
Rubert, Arlindo, O antigo clero diocesano do Rio Grande do
Sul (1737-1910), Gráfica Pallotti, Santa Maria, 2005. O autor não comenta sobre o posicionamento político dos sacerdotes na
Revolução Farroupilha. Para o nosso trabalho seu livro se torna interessante
por apresentar bibliografias sobre os sacerdotes.
[16]
Padoin, Maria Medianeira, O federalismo no espaço
fronteiriço platino, 1999, Tese (Doutorado em História), Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1999.
[17] Spalding, Walter, Revolução
Farroupilha, Editado pela Petroquímica Triunfo, Triunfo, 1987.
[18] Belém, João, História do Município de
Santa Maria 1797/1933, UFSM, Santa Maria, 2000.
[19]
Arquivo da Cúria Diocesana de Santa Maria, Livro de Batismo, Nº
2, 1822-1845, fl. 250.
[20] Hastenteufe, Zeno, Dom Feliciano:
na Igreja do Rio Grande do Sul, Acadêmica, Porto Alegre, 1987.
[21] Pasta de Francisco das
Chagas Martins de Ávila e Souza, Coleção Varela/AHRS/CV 10096. “Meus
Concidadãos, Meus Irmãos, Meus Amigos”, Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul.
[22]
Circularam 132 números do periódico.
[23]
Zinny, Antonio, História
de la prensa periódica de la República Oriental del Uruguay,
Imprenta y Liberia de Mayo, Buenos Aires, 1883, p. 386.
[24]
Consideramos como primeira fase da Revolução Farroupilha o período entre 1835 e
setembro de 1836 quando o discurso da elite farroupilha afastava o movimento de
qualquer ligação com ideias separatistas da Província e ideias republicanas.
[25]
El Republicano, Montevidéu, Nº 118, Biblioteca
Nacional del Uruguay, 24 de setembro de 1836.
[26]
Utilizamos aqui o conceito de elite formulado
por Maria Medianeira Padoin, 1999, ob.cit. Assim, a elite farroupilha é
definida como um grupo da sociedade que detinha um capital econômico e
cultural, sendo composta por diversos setores da sociedade entre eles:
estancieiros, militares, charqueadores, comerciantes e sacerdotes. “A elite era conhecedora dos ideais liberais e dos direitos e garantias
proclamadas pelo Direito das Gentes e pelo liberalismo”. (Padoin,
2001, p. 71). A elite farroupilha não era homogênea, fato que se explicitou no
contexto de 1842, quando a Assembleia Constituinte da República Rio-grandense
discutia o Projeto de Constituição. Da mesma forma que a elite farroupilha era
composta por grupos que possuíam diferentes ideais, na Província nem todo
rio-grandense foi farroupilha.
[27]
Entre os deputados do Parlamento foram eleitos
os senhores Francisco de Sá, Ulhôa Cintra, Domingos José de Almeida, Francisco
das Chagas Martins D’Ávila e Souza, José Mariano de Mattos e Bento Gonçalves da
Silva, pessoas que no ano seguinte estavam comandando o incipiente Estado da
República Rio-grandense.
[28] Silva, Bento Gonçalves da,
Correspondência 003, Coletânea de documentos de Bento Gonçalves da
Silva 135/1845/Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul-Porto Alegre, Comissão
Executiva do Sesquicentenário da Revolução Farroupilha, Subcomissão de
Publicações e Concursos, 1985, pp. 16-17.
[29]
Silva, Bento Gonçalves da, Correspondência 033:
Ilmo. Sr. Felício Soares da Silva e Urbano Soares da Silva.
17/01/1836, Coletânea de documentos de Bento Gonçalves da Silva
135/1845/Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul-Porto Alegre, Comissão
Executiva do Sesquicentenário da Revolução Farroupilha, Subcomissão de
Publicações e Concursos, 1985, p. 37, grifo nosso.
[30]
Silva, Bento Gonçalves da, Correspondência 007: Ilmo. e Exmo. Sr. Coletânea de
documentos de Bento Gonçalves da Silva 135/1845/Arquivo Histórico do Rio Grande
do Sul-Porto Alegre, Comissão Executiva do Sesquicentenário da Revolução
Farroupilha, Subcomissão de Publicações e Concursos, 1985, p. 18, grifo nosso.
[31]
El Republicano, Montevidéu, 1836.
[32] Koselleck, Reinhart, “Uma história dos
conceitos: problemas teóricos e práticos”, em Estudos
Históricos, V. 5, N°10, Rio de Janeiro, 1992, pp.134-156.
[33] Bobbio, Noberto, N. Mattucci y G. Pasquino, Dicionário de Política, UNB, Brasília, 1986.
[34]
Scheidt, Eduardo, Concepções de República na Região Platina à
época da Revolução Farroupilha, Dissertação de Mestrado,
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 1999.
[35]
Correspondente às regiões da Banda Oriental, Entre Rios e Corrientes.
[36] Flores, Moacyr, Modelo político dos farrapos: as
idéias políticas da Revolução Farroupilha, Mercado Aberto, Porto Alegre, 1996.
[37]
Calvet Fagundes, Morivalde, História da Revolução
Farroupilha, Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, Martins
Livreiro, Porto Alegre, 1985.
[38]
Chiaramonte, José Carlos, Cidades, Províncias,
Estados: Origens da nação Argentina (1800-1846), Aderaldo
&Rothschild, São Paulo, 2009,
p. 12.
[39]
Assumpção Santos, Danilo, Adesão da Câmara de
Alegrete aos Revolucionário Farroupilhas, Câmara Municipal de
Alegrete: 180 anos (1831-2011), Alegrete, 2011.
[40] Carvalho, José Murilo de, Pontos e Bordados: escritos de história e política, Universidade de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1999.
[41] Poeta, Jornalista, diplomata, estadista e
advogado. Nasceu em São João d’El Rei a 25 de março de 1806. Foi nomeado como
Ministro da Justiça e dos Estrangeiros da República Rio-Grandense em 6 de novembro
de 1836. Deixou, entretanto o Ministério para, em 1837, iniciar gestões
diplomáticas. Amigo de Bento Gonçalves da Silva, foi seu Secretário Militar e,
mais tarde, Chefe do seu Estado Maior. Esteve, também, no Uruguai, em missão
diplomática e, a seguir, em outra, na República Argentina, como Ministro
Plenipotenciário da República Rio-Grandense. Quando aí estava tratando dos mais
variados assuntos referentes à República, o Governo o chamou de volta à então
nova capital, Alegrete, afim de assumir o seu novo cargo: o de deputado à
Constituinte Republicana. Ficou, entretanto bastante chocado com o atrito que
existia entre uma facção, pequena, dirigida por Antônio Vicente da Fontoura,
contra Bento Gonçalves da Silva. Foi eleito membro e presidente da comissão de
Constituição (Sá Brito e Domingos José de Almeida eram os demais membros).
Informações obtidas em: Spalding, Walter, Revolução Farroupilha, Petroquímica Triunfo S.A, Rio Grande do Sul, 1987, pp.
187-190.
[42] Nasceu na vila de Piratini em 1798. Dedicou-se
à pecuária e à política. Foi capitão da Guarda Nacional, em Bagé, onde tinha
sua estância nas proximidades do arroio Candiota. Durante a República
Rio-Grandense Manoel Lucas de Oliveira ascendeu ao posto de Coronel e foi
escolhido para Ministro da Guerra, no último Ministério e foi, como tal,
representar o então presidente José Gomes de Vasconcelos Jardim nos atos de
pacificação, em 1845. Foi eleito, em 1840, para a Constituinte de Alegrete. Spalding,
Walter, 1984, ob.cit., pp. 207-211.
[43]
Anais do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, Coleção
Varela, Vol. 7, 1985, pp. 130-131.
[44]
Anais do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, Coleção
Varela, Vol. 11, 1985, pp. 10-35.
[45]
Manuel Lucas de Oliveira, Coleção Varela.
6 de julho (CV-6733). Trata-se de um discurso apresentado na Câmara de Piratini,
1838, pp. 69-70.
[46]
Câmara de Alegrete, p. 102.
[47]
Scheidt, Eduardo, 1999, ob.cit., p. 177.