TRAJETÓRIAS DE CLÉRIGOS DE COR NA AMÉRICA
PORTUGUESA: CATOLICISMO, HIERARQUIAS E MOBILIDADE SOCIAL.
Anderson José Machado de Oliveira*
Introdução
O processo de ordenação de homens
de cor ao clero secular, na América Portuguesa, é a temática central deste
artigo. Ao se considerar tão somente os textos canônicos, a conclusão seria
pela impossibilidade deste tipo de ação no âmbito da Igreja. As Constituições Sinodais do Arcebispado de Lisboa, aprovadas
em 1640, que vigoraram no Brasil até a promulgação das Constituições
Primeiras do Arcebispado da Bahia, promulgadas em 1707, colocavam
como impedimento para promoção às ordens sacras ter “parte de nação hebreia, ou
de outra infecta, ou de negro ou de mulato”[1]. O
texto em questão é praticamente o mesmo reproduzido nas constituições baianas
de 1707, embora estas fossem mais rígidas, pois exigiam que os impedimentos
fossem verificados já quando da pretensão ao recebimento das ordens menores[2]. Ou
seja, em tese as constituições lisboetas admitiam clérigos in minoribus
tonsurados, que poderiam exercer as funções de ostiário, leitor, exorcista e
acólito sem que passassem por provas de impedimentos, o que pelas constituições
da Bahia era vedado.
No caso da legislação baiana,
que passou a ser respeitada por todas as dioceses na América Lusa, parece
evidenciar-se que as questões locais, relativas à escravidão e ao rol de
hierarquias por ela constituído, influenciaram na adaptação da legislação
canônica. O quadro delineado confirma as observações de Figueirôa-Rego e Olival
quanto ao peso das questões locais na definição das classificações e distinções
sociais com base na cor no império português. Para estes autores o zelo das
elites locais por pressões classificatórias fez com que, por vezes, na
metrópole a tolerância à ascendência negra fosse maior que em outras partes do
império[3].
O crescente peso da
escravidão africana, a partir de meados do século XVII, e o consequente desenvolvimento
do processo de mestiçagem biológica, social e cultural acabariam por exigir a
reformulação dos processos classificatórios que mediavam a construção das
hierarquias sociais na América Portuguesa. À medida que o regime escravista se
expandiu, ampliou-se a necessidade de recriação das hierarquias sociais. O alto
índice de manumissões que caracterizou a América Portuguesa singularizou uma
sociedade onde uma camada importante de homens livres de cor exigia novas
classificações sociais que os afastasse do universo do cativeiro. Ao mesmo
tempo tornou-se fundamental o estabelecimento de diferenças entre os livres de
cor e o grupo dos cristãos velhos[4]. Diante
de tais questões, não só uma elite branca procurou afirmar suas diferenças em
relação aos escravos, aos manumissos e aos brancos pobres; mas também os
segmentos livres de cor buscaram igualmente diferenciar-se, principalmente dos
escravos. O ideal de uma sociedade corporativa construída a partir dos
referenciais do Antigo Regime, em consonância com a escravidão, naturalizava as
desigualdades e reafirmava as hierarquias em prol da manutenção de uma ordem
social excludente.
Considerando este contexto,
propõe-se analisar os possíveis significados das ordenações dos homens de cor.
A solicitação de dispensas de impedimentos foi uma prática que, no caso
específico da ordenação sacerdotal, era gerenciada pelo poder eclesiástico. Para
os descendentes de africanos, a dispensa do defeito da cor foi uma das mais
importantes, contudo não a única solicitada. Acredito que ao manejar tais
dispensas, a Igreja afirmava-se enquanto um lócus de poder
a gerir, conjuntamente com o Estado, o rol de hierarquias vigentes, reforçando
o sentido da ordem social. Por outro lado, para os segmentos de cor que
conseguiram acessar o sacerdócio, a dispensa para a ordenação configurava-se
num efetivo mecanismo de mobilidade social que, embora demarcasse um processo
de relativa autonomia destes grupos, não deixava de reiterar os critérios
hierárquicos que reforçavam aquela mesma ordem.
Uma primeira dificuldade no
tratamento destes casos é a sua própria localização e identificação. Este
problema também foi percebido por outros pesquisadores que trabalharam com o
ingresso de grupos estigmatizados no clero secular. Em relação aos mestiços, na
América hispânica, Olaechea afirma que é difícil precisar o número exato
daqueles que foram ordenados, já que não se pode construir estatísticas sobre
afirmações gerais, principalmente, quando estas estão baseadas nas denúncias
contra este tipo de ordenação. Ainda segundo este autor, outra questão que se
punha era a ocultação da ascendência que poderia demarcar um processo de
ascensão social ou mesmo a fuga da atribuição de estigmas classificatórios[5].
Menegus e Salvador atestam dificuldades semelhantes para localizar os índios
que foram ordenados na Nova Espanha entre o fim do século XVII e início do
século XIX. A atribuição de nomes cristãos aos indígenas é vista como uma das
principais dificuldades[6].
Percebo em relação aos
indivíduos com os quais venho trabalhando, no âmbito do antigo bispado do Rio
de Janeiro[7],
dificuldade semelhante. Uma questão que me parece evidente e que vem sendo
sobejamente comprovada pela historiografia é que o processo de afastamento do
universo do cativeiro e de mobilidade social tendeu a produzir situações de
embranquecimento ou silenciamento sobre a cor[8], o que,
como demonstrarei adiante, pode ser percebido pela trajetória de alguns
sacerdotes de origem negra. Encontra-se, na América lusa, um quadro semelhante
àquele identificado em relação às famílias de mestiços, índios e mulatos na
América espanhola, ou seja, uma supressão das origens como forma de apagar a
desqualificação pregressa e demarcar um novo posicionamento superior na escala
social.
Mapa
N° 1: Divisão
dos Bispados na América Portuguesa até 1745
Fonte: Rubert, Arlindo, A Igreja no Brasil- Expansão Territorial e Absolutismo Estatal
(1700-1822), Editora Pallotti, Santa Maria (RS)1988, p. 144.
Mapa
N° 2: Divisão
dos Bispados na América Portuguesa depois de 1745
Fonte:
Rubert,
Arlindo. A Igreja no Brasil- Expansão Territorial e
Absolutismo Estatal (1700-1822), Editora Pallotti, Santa Maria (RS),
1988, p. 145.
Deste modo, o trabalho até
aqui desenvolvido baseia-se numa amostragem aleatória dos sacerdotes de cor
identificados entre meados do século XVII e as duas primeiras décadas do século
XIX. O caráter aleatório, no entanto, não assume aqui uma postura metódica, já
que traduz casos que foram encontrados mediante o cruzamento de informações
provindas de fundos diversos como genealogias, testamentos, livros de assentos
da Irmandade de São Pedro dos Clérigos do Rio de Janeiro, além de trabalhos que
reconstituíram trajetórias de famílias de libertos. Portanto, trata-se de uma
amostra que não se presta a afirmações quantitativas ou estatísticas de caráter
mais geral. Todavia, insisto no valor de seu caráter qualitativo, ou naquilo
que Edoardo Grendi assinalou como o “excepcional que pode ser
extraordinariamente ‘normal’, precisamente por ser revelador”[9].
Até o presente estado da
pesquisa, localizei 30 indivíduos de cor que deram entrada em processos de
habilitação sacerdotal junto à Câmara Eclesiástica do bispado do Rio de
Janeiro. Destes, observar-se que 18 habilitações apresentam todas as fases do
processo de recebimento das ordens sacerdotais, contendo as peças de genere, vita et moribus
e patrimônio, além das certidões de dispensas. Com relação a esses, pode-se
afirmar com segurança que completaram o ciclo e habilitaram-se a receber todas
as ordens menores (ostiário, leitor, exorcitsa, acólito) e maiores (subdiácono,
diácono, presbítero). Uma das habilitações apresenta genere
e vita et moribus, embora não constando o
patrimônio pode-se também ter certeza do fim do processo de ordenação, pois a
ela está apensada uma solicitação de
designação para uma paróquia. Três habilitações apresentam genere
e patrimônio, a presença deste último já indicava um processo em vias de
desfecho já que o mesmo era exigido para o recebimento das ordens maiores.
Todavia, por informações de outras fontes, é possível afirmar com certeza que
dois entre os três foram ordenados. O terceiro caso desta série não apresenta
dados que permitam afirmar o fim do processo, mas somente a recepção da ordens
menores. Outra habilitação apresenta somente o vita et
moribus e o patrimônio, e embora não esteja completa, posso
assegurar-me de sua conclusão em função do testamento do pai do sacerdote que
menciona a conclusão do processo de ordenação[10]. Uma
das habilitações apresenta somente o patrimônio, no entanto, é possível ter
certeza da ordenação em função do habilitando também ter caído nas malhas do
Santo Ofício e o processo instaurado, que traz a cópia do gênere,
referir-se ao mesmo como sacerdote ordenado do hábito de São Pedro[11]. Dois
outros processos apresentam somente o genere e só se
pode ter segurança quanto ao recebimento das ordens menores. Por fim, quatro
casos não apresentam nenhuma das três peças processuais acima mencionadas,
constando tão somente uma reverenda[12], um
pedido de compatriotado[13],além de dois instrumentos de justificação de limpeza de
sangue.
Considerando esta leitura
preliminar dos 30 processos de habilitação, é possível afirmar com alguma
segurança que 24 deles redundaram na ordenação com recebimento das ordens
menores e maiores, formando sacerdotes com plenas funções ministeriais. Este
número, no entanto, não deve promover a ilusão de que este caminho fosse fácil
e acessível a todos os homens de cor. É importante salientar que tanto em uma
amostragem probabilística quanto no recorte que construí, só é possível acessar
os casos bem sucedidos. Deste modo, não se tem a ideia dos pedidos que foram
negados ou não foram adiante.
Diante do exposto, a
proposta deste artigo é a comparação de duas trajetórias entre os casos até o
momento identificados. Volto a insistir no fato de que os 30 casos indicados
permitem aproximar-me de algumas tendências. A distribuição cronológica dos
processos de habilitações identificados é desigual, pois 7 deles situam-se
entre a segunda metade do século XVII e primeira metade do século XVIII,
enquanto os 23 restantes estão localizados na segunda metade do setecentos e
nas primeiras duas décadas do século XIX. Como a seleção dos casos não se deu
por amostragem probabilística, há uma distorção que não permite generalizações
mais amplas. No entanto, o maior número de processos na segunda metade do
século XVIII foi uma tendência também percebida por Margarita Menegus e Rodolfo
Aguirre quando analisaram as ordenações de índios para a Nova Espanha. Segundo
estes autores, o período teria sido marcado por uma maior tolerância no acesso
à universidade e às carreiras eclesiásticas, resultado de um intenso processo
de diversificação social, marcado por uma maior mobilidade social dos grupos
inferiores e médios, característico do período colonial tardio[14]. Em um
levantamento preliminar que realizei das habilitações autuadas junto ao bispado
do Rio de Janeiro, no período entre 1640 e 1822, encontrei dados semelhantes
aos que Menegus e Aguirre encontraram para a Nova Espanha. Das 3587 habilitações
impetradas, 1041 (29%) ocorreram entre 1640 e 1750; 2546 (71%) se deram no
período entre 1751 e 1822. Com efeito, embora a amostra que trabalho não seja
exaustiva a mesma aproxima-se desses percentuais distribuídos ao longo desses
dois períodos, pois as sete habilitações encontradas para o primeiro período
representam em números relativos 23,3% do total e as vinte e três do segundo
período correspondem a 76,7% do total.
Deste modo, guardando as
devidas proporções com o caso da Nova Espanha e considerando as possíveis
margens de erro de minha amostra, os casos aqui analisados podem refletir,
mesmo que limitadamente, um primeiro momento de formação da sociedade
escravista na área abrangida pelo bispado do Rio de Janeiro e um segundo
momento assinalado pelas transformações que marcaram a América portuguesa na
segunda metade do século XVIII, principalmente, em função do intenso e contínuo
crescimento do tráfico atlântico de cativos. A migração forçada de africanos
contribuiu para tornar a eles e seus descendentes o maior contingente
populacional da América lusa. Por outro lado, consolidavam-se novas formas de
acumulação econômica que estiveram cada vez mais dependentes do capital
mercantil, pavimentando a hegemonia de uma nova elite econômica marcadamente
ligada ao comércio que gradativamente iria avançando sobre os espaços
tradicionalmente controlados pela velha “nobreza da terra”[15]. Tais
transformações promovidas pela intensificação do tráfico e pela consolidação de
uma economia mercantil se refletiriam em novos arranjos sociais. Os padrões
hierárquicos do Antigo Regime continuavam ainda como balizadores das relações
sociais, no entanto, não só a dependência da mão de obra cativa, mas a
ampliação significativa do número de manumissões exigiria a redefinição dos
arranjos hierárquicos não só entre a população branca e a população de cor, mas
também no interior desta última. Por sua vez, a acumulação via comércio e
trabalho manual implicavam em maiores flexibilizações em relação aos antigos
padrões de enobrecimento e prestígio. Deste modo, antigos símbolos de ascensão
social continuavam a ser valorizados, no entanto, o acesso a eles tornava-se
mais diversificado, porém, não menos hierarquizado. Talvez este contexto possa
explicar o maior número de processos de ordenação para a segunda metade do
setecentos e a consequente diversificação do acesso ao clero secular.
Com relação às habilitações
identificadas, os casos situados entre a segunda metade do século XVII e
primeira metade do século XVIII, no que tange a filiação dos habilitandos,
apresentam, como na segunda metade do setecentos e início do século XIX, um
alto índice de filhos naturais[16],
embora a titulação e proeminência social do pai seja mais elevada no primeiro
período. O segundo período concentra um número maior de casos, de acordo com a
hipótese que levantei acima, relacionados a uma mudança de contexto
caracterizado por uma maior diversificação social, e entre eles, embora a
ilegitimidade dos habilitandos continue alta- 17 dos 23 casos- há um quadro de
6 habilitandos oriundos de famílias legalmente constituídas formadas
respectivamente por: um casal de pardos livres, um casal de pardos sem menção
da condição, dois casais de pardos libertos, um casal formado por um português
e uma parda liberta e um casal de escravos pretos. Ou seja, percebe-se na
origem familiar dos sacerdotes a presença de famílias constituídas de libertos
ou de escravos, o que estava ausente na origem dos sacerdotes de cor
identificados para o primeiro período. Neste segundo período é também possível
visualizar que os pais com títulos honoríficos aparecem menos enquanto é maior
a menção aos ofícios mecânicos dos mesmos.
Primeiramente, o alto índice
de ilegitimidade entre os habilitandos pode ser relacionado à grande proporção
de mães forras. A historiografia sobre o assunto reconhece que a incidência de
filhos naturais neste grupo de mulheres foi maior. Todavia, como afirma Silva
Brügger, o universo da ilegitimidade estava longe de ser concebido como
associado ao desregramento e ao não reconhecimento de valores. Argumentando em
relação à constituição de famílias, a autora defende que, mesmo quando se tratava
de unidades familiares constituídas fora da legalidade católica, tal postura
não significava o desprezo pelos laços familiares e pela estabilidade a eles
associada[17].
O reconhecimento destes valores católicos, associados à constituição de
famílias, a meu ver, pode ser pensado também para se entender, em parte, a
valorização do estado sacerdotal enquanto um elemento de prestígio e ascensão
social.
Neste sentido, a maior
presença de pais titulados, entre a segunda metade do século XVII e primeira do
século XVIII, refletiria um quadro de uniões desiguais, onde é de alguma forma
possível perceber a reprodução de um padrão da nobreza europeia relido na
América portuguesa. Em casos como esses, foi incidente a procura da Igreja e dos
ofícios reais como forma de favorecer a mobilidade social dos chamados filhos
bastardos e livrá-los de condições mais subalternas[18]. Para
o período seguinte, constata-se que, embora os valores aristocráticos
associados ao papel do catolicismo como elemento de distinção tenham
persistido, outros grupos começaram a acessar o “hábito de São Pedro” expressando
a diversificação pela qual passava aquela sociedade, notadamente com a projeção
dos setores mercantis e também com a mobilidade de famílias de manumissos que
construíram estratégias de melhor posicionarem-se na escala social. E nestes
casos, como demonstra Roberto Guedes, o trabalho através do exercício dos
chamados ofícios mecânicos teve um papel decisivo[19]. Diante
deste contexto é que passo a analisar a trajetória dos padres João de Barcelos
Machado e José Maurício Nunes Garcia, a primeira trajetória construída entre a
segunda metade do século XVII e a primeira metade do século XVIII e a segunda
trajetória entre a segunda metade do século XVIII e primeiras décadas do século
XIX.
A
trajetória do Padre João de Barcelos Machado
Iniciava-se o ano de 1669,
quando o Licenciado João de Barcelos Machado autuou uma petição junto ao
escrivão da Câmara Eclesiástica do Rio de Janeiro, solicitando o reconhecimento
de um breve apostólico que obtivera em 14 de setembro de 1668 de Sua Santidade
o papa. O documento em questão o dispensava do impedimento da ilegitimidade
podendo, portanto, dar início ao seu intento que era a abertura de um processo
de habilitação sacerdotal. João era filho natural do Padre Inácio de Barcelos
Machado e da mulata Felícia Tourinha, nascido na Cidade do Rio de Janeiro e
batizado na Freguesia da Candelária no ano de 1644. Pelo lado paterno era neto de
Luiz de Barcelos Machado e Catarina Machada e pelo materno de Ventura de Paiva,
alfaiate, e Isabel da Rocha, mulher preta. Segundo depoimentos que constam do processo
de habilitação, à época do nascimento de João sua mãe era escrava e pertencia à
Dona Maria da Rocha[20].
Constata-se que, pelo lado
paterno, João descendia de uma família de conquistadores e principais da terra.
Das sete testemunhas de seu processo de genere,
destacando-se os padres Francisco Gomes da Rocha e Brás Graces, além do Capitão
Francisco Lemos, todos insistiram em dizer que seus avós paternos eram
“cristãos velhos, pessoas nobres e do governo desta cidade”. Entre estes
depoentes também estava o tio e padrinho de batismo do habilitando, o Capitão
Manoel de Barcelos Machado, que afirmara ter sido o “seu reitor (sic)”[21]. Além
do Capitão Manoel, senhor de engenho estabelecido no Rio de Janeiro[22], outro
tio importante de João de Barcelos Machado era o Capitão José de Barcelos
Machado, talvez um dos principais representantes da família entre os bandos da
nobreza da terra detentora de postos de mando no Rio de Janeiro seiscentista.
José ocupara por duas vezes a provedoria da Fazenda Real em 1672 e em 1675,
além de participar do governo militar da capitania, ocupando o comando da
Fortaleza de São Sebastião em 1695. Entre 1675 e 1676, o Capitão José de
Barcelos Machado exerceu o cargo de Provedor da Santa Casa da Misericórdia do
Rio de Janeiro. Foi o instituidor do Morgado de Capivari com terras na região
dos Campos dos Goitacazes e em outras áreas da capitania, além de tornar-se
Padroeiro do Convento de Nossa Senhora dos Anjos em Cabo Frio[23].
O Capitão Manoel de Barcelos
Machado afirmou em seu depoimento, no genere do
sobrinho e afilhado, que seu irmão, o Padre Inácio de Barcelos Machado, havia
nomeado a João como filho e lhe legara bens com os quais pôde estudar e
tornar-se licenciado. Esta declaração talvez se explique pelo fato de ter dito que
foi o “reitor” de João, quem sabe no sentido de ter atuado como uma espécie de tutor
do mesmo. No entanto, no processo de patrimônio que compõe a habilitação de
João de Barcelos há o depoimento de Dona Maria da Rocha, viúva de Manoel
Freire, que afirmou ter criado João por este não ter tido pai nem mãe e ser
moço pobre, tendo custeado seus estudos na Cidade do Rio de Janeiro até tomar o
grau de mestre e, agora, querendo ele ordenar-se e por grande amor que tinha ao
mesmo doava-lhe para a composição de seu patrimônio duas casas na Rua por
detrás da Candelária[24].
Ao que tudo indica, Dona
Maria da Rocha parece ser a antiga proprietária da mãe de João de Barcelos
Machado. O que poderia ter se dado diante destes dois depoimentos aparentemente
contraditórios? Fora João criado por Dona Maria sem o contato com a família
paterna? Seria ela a única responsável por sua criação e educação? Teria João
sido exposto em casa de Dona Maria da Rocha? Começo por tentar responder a
última pergunta. A exposição era uma situação bem mais comum do que se
imaginava no período colonial e, ao contrário do que se pensa, não representava
necessariamente demérito ou abandono. Pode ser provável que Felícia Tourinho
quisesse salvaguardar o futuro de seu filho expondo-o em casa de sua antiga
senhora. Por outro lado, como João era fruto de um intercurso sacrílego, já que
filho de um padre, também é provável que a exposição tenha sido definida em
comum acordo entre a mãe e o pai com o aval da família deste, de forma a
desviar a atenção do escândalo. Como demonstra Silvia Brügger, a exposição
poderia ser a solução para ocultar uniões não sancionadas e moralmente
condenadas até que a legitimação pudesse ser feita em vida ou por meio das
últimas vontades dos pais[25].
Deste modo, há que se situar
melhor o depoimento de Dona Maria da Rocha que, talvez pelo amor zeloso que
desenvolveu em relação a João, quisesse atribuir a si mesma toda a empreitada
que agora culminava com o grau de licenciado e a ordenação de seu pupilo. Pois
do contrário, como entender a atuação do Capitão Manoel de Barcelos Machado
como testemunha no processo, além de ter sido o padrinho de batismo de João. Além
do mais, João adotou o sobrenome da família do pai, o que revela uma estratégia
de associar-se ao prestígio carregado pela mesma. Voltando à questão da
exposição, esta não significava, principalmente em casos de expostos ligados a
famílias de elite, um completo isolamento da criança para com seus pais e
parentes[26].
Pode ser que o Padre Inácio só tenha reconhecido o filho posteriormente em
função de ter sido fruto de intercurso sacrílego, porém isso não teria
significado isolamento, já que um dos seus irmãos o batizara. O que me parece
mais plausível é que João tenha contado tanto com o apoio de Dona Maria, que
por não ter filhos a ele se afeiçoara, quanto com a assistência dos Barcelos
Machado.
O patrocínio de uma senhora reconhecida
pelo título de Dona e de uma importante família da nobreza da terra explica, a
meu ver, o fato de João de Barcelos já ter chegado ao momento da ordenação
ostentando o título de licenciado. Por outro lado, é bastante revelador que,
embora descendente de uma ex-escrava mulata e de uma avó materna preta, João só
tenha apresentado a dispensa para o impedimento de ilegitimidade. Segundo as Sinodais de Lisboa, que à época de seu processo regulavam a
questão, para acessar as ordens maiores ele teria a necessidade da dispensa
também do impedimento da cor, a menos que ele socialmente não a tivesse.
Uma hipótese a ser pensada
poderia relacionar-se ao fato que, em 1669, o Rio de Janeiro ainda era uma
prelazia, sendo elevado à categoria de bispado somente em 1676. Isto poderia
explicar um menor zelo do prelado local, não exigindo que João apresentasse as
dispensas completas. Todavia, das sete testemunhas do processo de genere de João todas reconheceram que sua mãe era mulata,
porém, nenhuma atribuiu cor ao habilitando. Parece-me, neste sentido, que se
está diante de um caso onde a posição social do habilitando fez com que sua cor
desaparecesse ou nunca tivesse existido. Márcio Soares defende a hipótese de
que o silêncio em relação à cor significava uma progressiva diluição da desonra
relacionada ao cativeiro, até que esta desaparecesse totalmente da vida do
indivíduo, sobretudo, em gerações futuras[27]. No
caso em questão o sumiço foi imediato, pois me arrisco a dizer que, diante das
circunstâncias, um licenciado descendente dos Barcelos Machado, mesmo que sua
mãe fosse mulata e sua avó materna preta, não tinha cor ou era socialmente
branco.
A Igreja, portanto, assim
como a coroa possuía a prerrogativa de conferir ou reconhecer novo status, pois o reafirmar desta posição no processo de
habilitação funcionava como aquilo que Bourdieu denominou de um rito de
instituição, tendendo a consagrar e legitimar um limite arbitrário fazendo com
que passasse a ser plenamente despercebido e consagrador da diferença[28]. No caso
em questão uma diferença que se estabelecia, fundamentalmente, em relação aos
demais indivíduos que tivessem uma origem semelhante, mas não com os mesmos
recursos de poder, reiterando, por conseguinte, os padrões hierárquicos em uma
sociedade escravista de Antigo Regime. Cumpria também à Igreja, deste modo, o
papel acima destacado de inserir em posições socialmente mais valorizadas os
filhos de uniões desiguais dando vazão às preocupações de membros das elites
com o futuro de suas proles bastardas e com a honra do próprio clã. Penso que a
trajetória pós-ordenação do então habilitando possa melhor esclarecer o que
acabo de afirmar.
Concluso seu processo de
ordenação em 1669, voltei a me deparar, na década de 1670, com o agora Padre
João de Barcelos a assinar processos de habilitação na condição de escrivão da
Câmara Eclesiástica do bispado do Rio de Janeiro[29]. A
partir de 1688, Padre João também aparece como coadjutor da Freguesia da Sé do
Rio de Janeiro, batizando e lavrando os registros[30]. A atuação como escrivão da
Câmara Eclesiástica e coadjutor da Sé estendeu-se até 1700, já que em 1701 o
nome do mesmo padre passou a figurar como o 4º. vigário da Freguesia de Irajá
no Rio de Janeiro onde atuou como pároco até 1731[31], ano
de sua morte. Consultando o livro de óbitos de pessoas livres desta freguesia
para o ano de 1731, encontrei o testamento do referido vigário no qual era
identificado como Reverendo Licenciado Vigário João de Barcelos Machado,
natural desta cidade e batizado na Freguesia da Candelária[32].
A indicação aos cargos de
escrivão do Juízo ou Câmara Eclesiástica e coadjutor da Sé deve ter sido
facilitada pela formação intelectual de Padre João e pelo patrocínio político
advindo da família Barcelos Machado. Os cargos da Câmara Eclesiástica eram de
livre indicação dos bispos, sendo preenchidos com pessoas da confiança do
diocesano que atuavam como seus representantes auxiliando-o na incumbência de
vigiar a população e tomar providências quando de casos de transgressão em
alguma comarca da diocese[33]. Como
alerta José Pedro Paiva, os bispos acabavam reproduzindo em suas dioceses os
mecanismos de relações clientelares que alimentavam o sistema político do
império português, sendo a distribuição de cargos que estavam sob sua alçada um
dos meios mais eficazes para tal[34]. O mesmo
pode ser afirmado em relação ao posto de coadjutor. Deste modo, o prelado não
deixaria de ouvir e contentar os potentados locais quando da indicação de
pessoas de sua confiança, principalmente, em se tratando da composição do Juízo
Eclesiástico e da indicação para a ocupação de cargos na principal paróquia da
cidade.
Em 1701, o Padre João de
Barcelos Machado encontrava-se já como pároco colado da Freguesia de Nossa
Senhora da Apresentação de Irajá. Cabia ao bispo ou à Mesa da Consciência e
Ordens a indicação dos párocos que deveriam passar por exames para serem
providos ao cargo; aprovados, os candidatos eram nomeados pela Mesa. Como
ressalta Pereira das Neves, privilegiavam-se os postulantes que já tivessem
exercido funções pastorais, ou como pároco encomendado ou como coadjutor, além
daqueles que já tivessem prestado qualquer serviço à Igreja, relegando-se a
nota do exame a um segundo plano. Somavam-se ao contexto todo um quadro de
pressões locais em favor de candidatos, de interferências da própria coroa,
além da política clientelar exercida pelo bispo[35]. Mais
uma vez Padre João enquadrava-se neste jogo de forças, pois fora servidor
dileto do diocesano, coadjutor da Sé e estava confortavelmente inserido numa
poderosa rede de proteção.
A função paroquial, no
contexto de sociedades de Antigo Regime, era dotada de prestígio e poderia,
como afirma María Elena Barral, abrir portas para negócios econômicos e para a
ascensão social. Havia, portanto um empenho das famílias, no sentido de
preparar seus filhos para a carreira eclesiástica, na qual ascender à função de
cura de almas era uma importante etapa[36]. O
pároco também angariava grande influência moral sobre seus sufragâneos,
estimulando a prática sacramental e através desta estabelecendo uma vigilância cotidiana
sobre os fiéis seguida da difusão de valores, o que era um ideal perseguido
pela Reforma Tridentina[37].
A paróquia na qual Padre
João de Barcelos fora provido havia sido criada em 1647 e situava-se numa área
de expansão econômica e populacional do chamado Recôncavo da Guanabara. No
mesmo ano da criação da Freguesia de Irajá outras duas foram erigidas, eram
elas as de São João de Meriti e São Gonçalo, todas igualmente no recôncavo. No
alvará régio, que instituiu as três freguesias, foi arrolado o número de
senhores de engenho existentes em cada uma, estando 25 deles em Irajá, 11 em
São João e 17 em São Gonçalo. O crescimento de toda essa área relacionava-se
com expansão da cultura açucareira que marcou a virada atlântica do império
português em meados do século XVII, além da ampliação da produção de alimentos
concomitante a esta expansão. Irajá, entre estas freguesias do recôncavo, era
uma das mais povoadas[38]. Em um
levantamento realizado por uma visita diocesana de 1687[39],
comparando-se os dados das 2 freguesias urbanas (Sé e Candelária) com 5 freguesias
do recôncavo, Irajá era a que possuía o maior número de habitantes entre estas
últimas.
Evidencia-se que Padre João
de Barcelos não fora enviado para uma freguesia de menor importância, o que de
alguma forma demonstrava a eficácia das redes de sociabilidade nas quais estava
inserido e um sucesso na estratégia de construção de sua carreira engendrada a
partir do grupo. Por outro lado, há evidências de que alguns ramos da família
Barcelos Machado tinham interesses radicados na Freguesia do Irajá. Em 1697, uma
prima sua- Dona Bárbara de Barcelos Machado- faleceu, declarando em testamento
que seu corpo fosse enterrado na Freguesia de Irajá. Os dois filhos de Dona
Bárbara, Sebastião de Barcelos Machado e Catarina, foram batizados na mesma
freguesia, respectivamente em 1693 e 1697[40]. O
irmão de Dona Bárbara, Antônio Machado Maciel, em 1701, batizou na dita
freguesia seu filho, homônimo de nosso padre, João de Barcelos Machado. Embora
o registro original esteja danificado, sendo impossível sua leitura, identifica-se
o nome do batizando João e ao fim da página do livro encontra-se a assinatura
do Padre João de Barcelos, o que me permite afirmar com alguma segurança que
este, como pároco, foi o celebrante do batismo de seu primo em segundo grau[41].
Outro membro da família que
teve ofício sacramental celebrado por Padre João foi o Capitão Inácio de
Madureira Coutinho, filho do Licenciado Luís de Barcelos Machado e neto do
Capitão José de Barcelos Machado. O Capitão Inácio casou-se, em 1705, com
Teresa Maria Tourinha filha de Dona Maria Tourinha Maciel e do Licenciado João
Velho Barreto. O casamento foi celebrado no oratório da propriedade de Dona
Maria Tourinha, a época viúva, provavelmente o engenho da Pavuna, o qual
pertencera a seu marido, e que se situava em terras da Freguesia de Irajá. O
registro do casamento também se encontra danificado, mas é possível reconhecer
a assinatura do Padre João de Barcelos nos demais assentos da mesma página do
livro em questão[42].
Com efeito, a provisão de
Padre João na paróquia de Irajá poderia revelar o desdobramento das estratégias
da família na extensão e afirmação de seu poder naquela região. Afinal, como
argumenta María Elena Barral, em relação ao agro de Buenos Aires, a gestão
paroquial também foi ambicionada por parentelas enquanto desdobramentos de suas
ambições de dominação territorial e política. Da mesma forma, a nomeação para
uma paróquia rural poderia ser uma das etapas para se alçar saltos mais altos
na trajetória profissional do sacerdote[43].
Evidentemente, as condições das duas regiões são completamente diferentes e não
me parece ter sido este o caso aqui analisado, já que Padre João acabou
morrendo à frente da paróquia em 1731, talvez com idade em torno de 87 anos.
Não tenho elementos para argumentar se esta foi a ascensão possível ou se o
mesmo almejou outros postos ao longo da carreira. Todavia, naquela conjuntura a
colação na paróquia de Irajá não me parece ser algo desprezível.
De qualquer forma, mesmo não
saindo de Irajá, Padre João de Barcelos teve uma atuação que, ao que alguns
dados indicam, foi bastante ativa e reconhecida em sua paróquia, contribuindo
para a expansão dos valores católicos e consolidação das hierarquias locais. Um
aspecto a se considerar diz respeito à execução de uma visita diocesana na
própria paróquia de Irajá. Durante o múnus pastoral de Dom Frei João de São
Jerônimo (1702-1721) este, seguindo o que determinava o Concílio de Trento,
procurou realizar vistas pastorais pela diocese e, em função da extensão da
mesma, acabou por nomear visitadores de sua confiança para as realizarem ou
concluírem o trabalho por ele iniciado. Esta situação parece ter ocorrido em
Irajá quando foram nomeados os padres João de Barcelos Machado, Frutuoso
Pinheiro de Lemos e Tomé Peres da Fonseca para dar continuidade à visita na
dita paróquia. A ação dos padres produziu o “Livro de Batismo dos Pretos
pertencentes à Paróquia de Irajá” que cobre o período de setembro de 1704 a
agosto de 1707; ao que parece este códice sob a guarda da Biblioteca Nacional
no Rio de Janeiro é um fragmento de um livro maior. No livro de batismo dos
pretos estão assentados 221 registros, entre os quais a maioria é assinada pelo
Padre João de Barcelos Machado (197 registros), seguido do Padre Frutuoso
Pinheiro de Lemos (23 registros) e do Padre Tomé Peres da Fonseca (1registro).
Como titular da paróquia, Padre João tinha a prerrogativa na distribuição dos
sacramentos, sendo substituído somente em situações de impossibilidade quando
poderia autorizar a um coadjutor exercer suas funções. O livro em questão foi
rubricado pelo bispo à folha 9, afirmando que o mesmo fora visto, em 30 de
setembro de 1704, e indicando que se continuasse a proceder daquela forma[44].
O zeloso vigário de Irajá,
além de difusor das práticas sacramentais, atuou também no combate às práticas
heréticas. Em 1717, foi chamado pelo Santo Ofício para depor no processo que acusava
o também padre Francisco de Paredes de práticas judaizantes. Francisco
ordenara-se por volta de 1697, após ter conseguido junto ao Papa um breve ex defectus sanguinis que o dispensava no “defeito do
sangue, da ilegitimidade e defeito de cor”. Havia sido batizado na Freguesia de
Irajá, em 1672, como filho de Leonor, mulher solteira e escrava de Luiz de
Paredes. Este último tido como senhor de engenho e com fama de cristão novo.
Luiz de Paredes, posteriormente, alforriou Leonor e reconheceu os três filhos
que tivera com ela, entre eles Francisco, a quem criou mandando-o estudar em
Coimbra com o propósito de tornar-se padre[45].
Depois de ordenado, Padre
Francisco, pelo que indicam as informações que tenho, foi cuidar do sítio que
herdou do pai. Em 1705, entrou com um novo processo de patrimônio junto à
Câmara Eclesiástica do Rio de Janeiro, solicitando o reconhecimento de um sítio
com partidos de cana que recebera em herança, localizado em Sapopemba, território
da Freguesia de Irajá[46].
Provavelmente, residiam aí dois dos escravos que possuía e que no mesmo ano de
1705 foram batizados pelo pároco João de Barcelos Machado[47].
Deste modo, os padres
Francisco de Paredes e João de Barcelos Machado eram velhos conhecidos, já que
o primeiro era paroquiano do segundo e nascera em Irajá. Foi com base neste
antigo conhecimento que o Padre João de Barcelos, quando chamado pelo Santo
Ofício, testemunhou afirmando que conhecia o Padre Francisco de Paredes desde o
“mínimo nas escolas”, também conhecera sua mãe, mulher preta, e a seu pai Luiz
de Paredes e que pai e filho eram tidos e havidos por cristãos-novos. Francisco
seria, ao fim do processo, condenado pelo Santo Ofício com sentença de auto de
fé em 1720, confisco de bens, abjuração em forma, cárcere e hábito penitencial
perpétuo sem remissão e degredo para as galés por cinco anos[48].
Destinos bem diferentes para sacerdotes que tiveram mães escravas.
Padre João de Barcelos
Machado ainda marcou a história de sua paróquia em função do trabalho de
reconstrução da matriz que iniciou durante seu múnus pastoral[49]. Em
1731, no extrato de seu testamento, que consta do livro de óbitos da freguesia,
menciona-se um conjunto de legados que estavam sob sua guarda, os quais somavam
quinhentos e trinta e três mil réis e destinavam-se à construção do retábulo do
altar mor da matriz da freguesia. Solicitava aos testamenteiros que entregassem
tal soma a quem o bispo ordenasse[50]. Um
desses legados, como constatou Monsenhor Pizarro em sua visita de 1794, aquele
deixado por Prudência de Castilho- mencionada no testamento de Padre João-
transformou-se em obrigações de missas perpétuas a serem ditas no altar de
Santa Escolástica, a cada sexta-feira do mês. Segundo Pizarro, o dinheiro fora
recolhido ao Cofre Eclesiástico depois do falecimento do Vigário João de
Barcelos Machado e o bispo- Dom Frei Antonio de Guadalupe- mandou entregá-lo ao
pároco sucessor[51].
Ao término de um período de
30 anos à frente da paróquia de Irajá, Padre João de Barcelos Machado faleceu
aos 13 de Janeiro de 1731, declarando não ter herdeiros forçados e, portanto,
seus bens deveriam ser convertidos em esmolas e sufrágios por sua alma[52]. Uma
trajetória pouco comum para os homens de sua origem, mas de uma normalidade
excepcional, parafraseando Edoardo Grendi[53], já
que o processo de mobilidade social em questão se fazia dentro dos moldes da
cultura política do Antigo Regime. As hierarquias, de alguma forma, se viam
preservadas[54],
embora o processo de maior complexidade que a escravidão imporia àquela
sociedade colocasse em questão o constante repensar dos padrões de
classificação social.
A
trajetória de Padre José Maurício Nunes Garcia
Mais de um século depois, aos dez dias do mês de
junho de 1791, o então habilitando José Maurício Nunes Garcia dava entrada, na
Câmara Eclesiástica do Bispado do Rio de Janeiro, em uma petição na qual pedia
para “ser dispensado da cor” de modo a poder prosseguir no seu processo de
ordenação sacerdotal. Alegava para tal que havia recebido dos pais boa
educação, que desde a infância apresentava vocação para o estado sacerdotal e
para realizar tal intento aplicara-se aos estudos de Gramática, de Retórica, de
Filosofia Moral e Racional e à Arte da Música. Afirmava ter vivido com
regularidade nos seus costumes, sendo temente a Deus e obediente às leis.
Finalizava a petição dizendo-se merecedor da graça por não estar incurso em
qualquer irregularidade a não ser a “do defeito da cor”.
José Maurício era natural da Freguesia da Sé da
Cidade do Rio de Janeiro, tendo sido batizado na catedral aos vinte dias do mês
de outubro de 1767. Era filho legítimo de Apolinário Nunes Garcia, pardo
liberto que vivia do seu ofício de alfaiate, e de Vitória Maria da Cruz, parda
liberta. Pelo lado paterno tinha como avó Ana Correa do Desterro, designada
como crioula de Guiné e avô incógnito. Pelo lado materno, era neto de Joana
Gonçalves, designada como crioula e avô também incógnito. O pai de José
Maurício era natural do Rio de Janeiro da Freguesia de Nossa Senhora da Ajuda
da Ilha do Governador e a mãe da Freguesia de Nossa Senhora de Nazaré da
Cachoeira do Ouro Preto, Bispado de Mariana[55]. A
necessidade da dispensa do “defeito de cor” justificava-se, portanto, pela
ascendência do habilitando, que foi designado como mulato por algumas
testemunhas que depuseram em seu processo de habilitação às ordens sacerdotais.
Nota-se aqui uma diferença em relação ao primeiro caso analisado, José Maurício
não só teve a necessidade de solicitar a dispensa do “defeito da cor”, como
teve a cor identificada pelos depoentes. A meu ver, pesa neste fato a diferença
significativa da família paterna de ambos, já que João de Barcelos era filho de
um padre, sobrinho e neto de senhores de engenho, enquanto José Maurício era
filho de um alfaiate e de avôs paterno e materno desconhecidos.
Aos dezesseis de junho do dito ano, o provisor do
Bispado, o Muito Reverendo Doutor Francisco Gomes Villasboas, despachava
favoravelmente ao pedido. Alegou que não via contra o suplicante nenhuma outra
irregularidade senão a do “defeito da cor”, que o mesmo havia provado
morigerança, vocação e aplicação aos estudos. Afirmava que, embora o Direito
Canônico repelisse os neófitos recém convertidos à fé católica, este não era o
caso de José Maurício; além do fato de a mesma legislação abrir espaço para
admitir ao sacerdócio aqueles que, mesmo neófitos, dessem provas de sua
perseverança, de boa conduta e observância das leis e preceitos da Santa Madre
Igreja. Argumentava que embora as Constituições da Bahia levantassem o
impedimento do “defeito da cor”, elas eram somente diretivas e não preceptivas
ao Direito Canônico e que, portanto, a dispensa podia ser concedida[56].
A inserção em uma rede de proteção parece também ter
pavimentado o caminho do padre José Maurício. Esta rede tivera início com o
antigo senhor de seu pai. Em certidão de liberdade que consta do processo de
habilitação matrimonial de Apolinário Nunes Garcia e Vitória Maria da Cruz,
chega-se à informação que o ex-senhor de Apolinário era o Reverendo Padre Pedro
Nunes Garcia, que passou carta de alforria em seu favor no ano de 1740[57]. Nota-se
que, após a alforria, o pai de José Maurício incorporou o sobrenome do antigo
senhor e também o legou a seu filho.
Tem-se aqui um caso semelhante ao analisado por
Roberto Guedes em relação à família de ex-escravos do também padre André Rocha,
em Porto Feliz, na primeira metade do século XIX. Segundo Guedes, o casal de ex-escravos
do padre André, Francisco da Rocha e Maria Francisca da Rocha, além dos seus
sete filhos, incorporaram o sobrenome do padre o que lhes carreava um pouco de
seu prestígio, de sua identidade e de suas relações sociais, legados imateriais
como o autor reconhece recorrendo a Giovanni Levi[58]. Um
dos filhos do casal, Jesuíno José da Rocha, além da liberdade e do sobrenome do
antigo senhor, também veio a herdar o piano daquele, já que em vida o padre
havia sido responsável pela educação musical de Jesuíno[59].
Não foi possível saber se José Maurício veio a ter
qualquer tipo de contato com o ex-senhor de seu pai. Há um intervalo de vinte e
dois anos entre a alforria de Apolinário e o seu casamento (1762). O intervalo
para o batismo de José Maurício (1767) é de 25 anos e para a sua ordenação
(1792) decorreram cinqüenta e dois anos da alforria de Apolinário. No entanto,
não parece ser uma simples coincidência o fato de o filho de Apolinário seguir
a carreira de seu antigo senhor. O pai de José Maurício deveria ter a
consciência do que representava a carreira do sacerdócio na sociedade colonial.
Ao mesmo tempo, seguindo as observações de Roberto Guedes, preservando o
sobrenome do seu antigo senhor, Apolinário deve ter se mantido próximo a ele e
às suas relações pessoais, o que, provavelmente, deve ter sido um dos
mecanismos a pavimentar o caminho de José Maurício para o sacerdócio, já que
este também preservou o sobrenome do ex-senhor de seu pai. Considerando que se
está diante de uma sociedade com fortes traços da cultura de Antigo Regime, a
preservação de parte destas relações pessoais acabava tendo, por vezes, um peso
tão grande quanto a riqueza material[60].
Com efeito, para além desta rede de relações
inicias, padre José Maurício e sua família vieram a agregar e consolidar
outras. Identifica-se em seu processo de habilitação um conjunto de testemunhas
que, provavelmente, tiveram um papel importante na construção de uma
legitimidade social para que os impedimentos que recaíam sobre o ordinando
fossem superados. No processo de gênere seis
testemunhas compareceram diante do Juiz Eclesiástico e no processo de dispensa
do impedimento dar cor mais quatro depoimentos foram tomados. Em relação ao
primeiro processo, as testemunhas deveriam atestar que conheciam o habilitando,
seus pais e que aquele tinha bons costumes. No segundo processo, os depoimentos
giraram em torno da boa conduta e aplicação do ordinando aos estudos.
Entre os dois processos uma pessoa funcionou como
depoente em ambos, o oficial da alfândega Marcos Antunes Marcelo. Além deste,
testemunharam a favor do habilitando três sacerdotes, três pessoas que viviam
da arte da música, um ourives, um alfaiate e um solicitador e porteiro da
fazenda real. O fato de um terço das testemunhas ser formado por sacerdotes
pode apontar para dois caminhos plausíveis. O primeiro a herança de relações pessoais
mantida por Apolinário em função de seu ex-senhor ser também um sacerdote. O
segundo caminho também igualmente plausível pode estar relacionado às relações
construídas pelo próprio José Maurício. Como músico, mesmo antes de tornar-se
sacerdote, o habilitando deve ter prestado serviços à Igreja, já que esta
instituição era uma das maiores promotoras e consumidoras da arte da música na
sociedade colonial. Tal hipótese, a meu ver, se vê reforçada em razão do fato
que dos três sacerdotes depoentes dois deles eram capelães de coros na cidade
do Rio de Janeiro; eram eles o padre Manoel dos Santos Gomes, capelão do coro
da catedral, e o padre Manoel Antunes Marcelo, capelão de um outro coro que não
consegui identificar[61].
Os músicos, por outro lado, constituíam um outro
importante conjunto de depoimentos, o que demonstra que José Maurício também já
se encontrava inserido em uma sólida rede de solidariedades profissionais. Os
ofícios mecânicos entre os libertos e seus descendentes, como demonstra Roberto
Guedes, eram uma das alternativas mais importantes no processo de mobilidade
social e construção de solidariedades, inclusive porque, apesar do estigma,
tais ofícios tinham reconhecimento social[62]. Os
músicos, por exemplo, gozavam de um significativo prestígio, já que
desempenhavam uma atividade considerada necessária para o bom funcionamento das
repúblicas, tinham inclusive o
privilégio de não serem alvo do recrutamento forçado; suas funções, como já
ressaltei, eram requisitadas não só pela Igreja, mas também pelas câmaras em
suas diversas solenidades[63]. Deste
modo, tal reconhecimento social deve ter desempenhado importante papel na
construção da legitimidade do pedido de dispensa da cor impetrado pelo padre
José Maurício.
Outro vínculo que julgo importante na rede de
proteção que se formou em torno do padre José Maurício diz respeito às relações
com a família Antunes Marcelo. Como mencionei acima, Marcos Antunes Marcelo
atuou como depoente tanto no processo de gênere quanto
no processo de dispensa da cor. Além disso, um dos sacerdotes depoentes, ao
qual também já fiz menção, era filho de Marcos, o padre Manoel Antunes Marcelo.
O conjunto de informações que tenho sobre a família origina-se em grande parte
do processo de habilitação sacerdotal de Manoel Antunes, processo esse que foi
aberto em 1783 conjuntamente com o de seu irmão Tomás Antunes Marcelo. Como já
referido acima, no processo do padre José Maurício, o patriarca Marcos foi
referenciado como oficial da alfândega e numa segunda menção como feitor da
mesa da abertura da alfândega[64].
Segundo a Ordem Régia de 1642, que definia os cargos
de oficiais da alfândega, o feitor da mesa de abertura aparecia em ordem
hierárquica como o quarto cargo em importância de um total de 16 cargos
definidos, ficando abaixo dos três cargos mais importantes, na seqüência: juiz
e ouvidor da alfândega, escrivão da mesa grande e escrivão da abertura. Não há
uma definição mais precisa de suas funções, todavia, segundo as informações
presentes na própria ordem régia, é possível supor que o feitor estivesse em
relação de subordinação direta com o escrivão da abertura. O escrivão não
recebia ordenado fixo, porém, era responsável por conferir e despachar as
cargas recebendo 160 réis por cada volume despachado. Deveria, em função dos
emolumentos recebidos, colocar a seu serviço pessoas que abrissem os volumes
por ordem do Rei e fizessem a conferência, era neste ponto que entravam os
feitores da mesa da abertura[65]. O
cargo, portanto, demandava a inserção em relações pessoais ascendentes que permitissem
a escolha, além, obviamente, de delegar poder ao seu ocupante, já que a
liberação dos volumes despachados e a conseqüente cobrança de impostos passava
pela conferência dos feitores.
No entanto, não parava por aí a teia de relações dos
Antunes Marcelo. No mencionado processo de habilitação sacerdotal de Tomás e
Manoel, Marcos Antunes Marcelo é constantemente referido como morador e
“vivendo de suas lavouras” na Freguesia de Nossa Senhora da Guia de Pacobaíba[66],
Recôncavo do Rio de Janeiro. A referida freguesia encontrava-se na vizinhança
de outras duas bastante antigas como Magé e Inhomirim, áreas que se acredita
que, desde a segunda metade do século XVII, já estavam inseridas num circuito
de produção de alimentos[67].
Ao que tudo indica a família era formada por
proprietários locais, já que o habilitando Manoel Antunes Marcelo constituiu
seu patrimônio com vistas à ordenação com uma fazenda, na mesma freguesia,
doada por um tio também padre de nome José Ramos de Moraes Marcelo[68]. Os
Antunes Marcelo deveriam estar entre as famílias de maior prestígio da
freguesia, já que na visita pastoral realizada por Monsenhor Pizarro à região,
em 1794, este dá notícia da Capela de São Lourenço, fundada por Manoel Antunes
Ferreira, pai de Marcos Antunes Marcelo e avô do reverendo Manoel. Pizarro
menciona ter visto a provisão da capela passada a Marcos Antunes Marcelo e sua
irmã Maria Josefa, autorizando-os a celebrarem missas no referido templo[69].
Segundo Sérgio Chaon, a fundação e a manutenção de
capelas e oratórios privados, com provisão para celebração de missas, eram
fatores que distinguiam famílias proprietárias com considerável cabedal.
Conseguir a provisão destes oratórios e capelas demandava a mobilização de
recursos financeiros e transpassar meandros burocráticos que exigiam igualmente
mobilizar influências pessoais junto à cúpula da Igreja. No caso em particular das capelas, era
necessário que o fundador provesse as mesmas com um patrimônio para sua
fábrica, reparação e ornamentos, além de reservar porção de terras ao redor do
edifício. Tais edifícios, principalmente nas freguesias mais distantes,
funcionavam com promotores de serviços religiosos para a população do entorno.
Deste modo, receber a provisão do bispo para o funcionamento destes edifícios
religiosos significava um privilégio que conferia distinção social aos seus promotores
[70].
Assim, a família Antunes Marcelo gozava de prestígio social e religioso há pelo
menos duas gerações, inclusive perante a Igreja.
Padre José Maurício, portanto, estava inserido em
uma rede social de proteção suficientemente ampla e que, de alguma forma, dever
ter tido um peso significativo para favorecê-lo na superação do impedimento da
cor. Suas relações o imergiam numa teia formada por eclesiásticos, músicos,
oficiais da alfândega e proprietários de terras, cujo prestígio deve ter sido apreciado
pelo ordinário na consideração de tais depoimentos como indicadores da
atenuação do defeito da cor.
A dispensa de impedimento conseguida pelo padre José
Maurício, como argumentam Fernanda Olival e Nuno Monteiro[71], era
algo que compunha certa rotina mesmo no Reino. Todavia, tal rotina inseria-se
numa estratégia conformada pelas alianças estabelecidas que posicionassem o
indivíduo numa rede de proteção e solidariedades[72]. Deste
modo, o ato de dispensar, reiterando a já assinalada proposta de Bourdieu,
sancionava um estado de coisas, notabilizando-se por ser um fator de
consagração da diferença. Dentro desta perspectiva, esforços eram feitos no
sentido de naturalizar o privilégio, pois a institucionalização/naturalização
da diferença garantia a sua própria conservação[73].
Portanto, a possibilidade da “dispensa magnânima” por um superior hierárquico
era não só um fator de prestígio, mas algo que garantia a própria continuidade
da hierarquia[74].
Com efeito, a visão corporativa da sociedade e a sua
consequente valoração das hierarquias reforçavam a perspectiva de que o acesso
ao segmento clerical era uma importante via de ascensão social. O atrativo às
ordens religiosas tanto para as famílias da “boa sociedade” quanto para os
segmentos da dita “plebe” relacionava-se ao fato de o sacerdócio conferir foros
de nobreza dando acesso a privilégios[75].
A construção de uma estratégia que conduzia o
indivíduo à ordenação sacerdotal não era um ato isolado. Numa sociedade com
características estamentais, a mobilidade que o acesso ao sacerdócio conferia
não se fazia com base na individualidade, até pelo fato de a noção de
individualidade estar submetida à força das corporações. Para Sheila de Castro
Faria, o movimento, na sociedade colonial, não só não era um fator individual,
mas sim uma decisão coletiva concebida e regulada no âmbito da família[76]. A
produção da carreira sacerdotal era realizada pelo grupo que através dela
visava auferir ganhos tanto materiais quanto simbólicos[77].
No caso de José Maurício, filho de pardos libertos
e, pelo menos do lado paterno, descendente direto de uma avó africana,
parece-me possível afirmar que seu processo de ascensão era também o de sua mãe
e de sua avó materna que, pelas informações contidas no processo de
habilitação, ainda estavam vivas à época de sua ordenação[78].
Analisando a mobilidade social de manumissos e seus descendentes, Roberto
Guedes irá caracterizá-la como um movimento gradativo e geracional, onde
inicialmente se transpõe a categoria jurídica da escravidão à liberdade
dando-se início a um afastamento de um passado escravo. Deste modo, muitas
vezes o processo se concretiza nas gerações seguintes. É importante ainda
frisar que este processo de mobilidade não deve ser entendido somente como um
deslocamento vertical, mas também de forma horizontal processando-se,
preferencialmente, como uma ascensão no interior do grupo. Além disso, sua
consecução não se dá somente como uma busca de riqueza material, mas também
como aquisição de posição e prestígio[79]. Tal
processo parece ajustar-se à trajetória do padre José Maurício.
Ordenado em 1792, José Maurício a princípio continua
a desenvolver suas atividades como mestre de capela na igreja da Irmandade de
São Pedro dos Clérigos. O padre filiara-se à esta irmandade em 1791 como consta
do livro de assento de irmãos, pagando suas anuais até 1826, quatro anos antes
de sua morte, em 1830. O mesmo foi sepultado na igreja da referida irmandade[80]. A
filiação de postulantes ao sacerdócio à irmandade, fundada por volta de 1639 e
reorganizada em 1732 no bispado de D. Antonio de Guadalupe, passou a ser
estimulada pelos prelados do Rio de Janeiro que viram na instituição um dos
mecanismos de reforma dos costumes clericais a partir das diretrizes traçadas
pelo Concílio de Trento. O investimento dos diocesanos nestas confrarias de
clérigos seculares foi uma tendência observada, inclusive, na América
Espanhola. Partia-se do pressuposto que tais sodalícios abrigariam uma elite
sacerdotal que serviria de modelo para os demais padres[81].
A presença de José Maurício nesta irmandade antes de
ordenar-se reforça o argumento, acima desenvolvido, de sua inserção em
eficientes redes de proteção, já que a associação contava com a proteção dos
bispos e segundo Coaracy, no século XVII, possuía um caráter aristocrático,
exigindo a comprovação da limpeza de sangue para o pertencimento aos seus
quadros[82]. No
compromisso da irmandade, de 1732, esta exigência não mais aparecia com relação
aos sacerdotes que quisessem se filiar, porém com relação aos leigos que
poderiam ser admitidos requeria-se que fossem “homens graves e de reconhecida
nobreza”[83],
o que por sua vez dava um caráter mais elitista aos filiados àquela instituição. Em Portugal,
Fernanda Olival e Nuno Monteiro também constataram que a adesão de postulante
ao sacerdócio a irmandades era uma forma de buscar proteção e solidariedades
com vistas à superação de dificuldades no processo de habilitação[84].
O exercício do cargo de mestre de capela na
Irmandade de São Pedro pode ser visto como um dos requisitos que credenciou
José Maurício para as mesmas funções na Sé Catedral, já que em provisão de
agosto de 1798 o então bispo do Rio de Janeiro- D. Justiniano Mascarenhas
Castelo Branco- o nomeou mestre de capela[85]. O
mestre de capela da Sé era o responsável por todo o cerimonial religioso do
Senado da Câmara executado na referida igreja. Cabia-lhe organizar o programa
das cerimônias, além de escolher e contratar os músicos. É bastante provável
que o padre, diante das prerrogativas que tinha, selecionasse parte dos músicos
para estas funções entre os seus alunos, já que mantinha ainda uma Aula Pública
de Música como consta de uma carta por ele redigida e endereçada ao regente do
trono D. Pedro I, em julho de 1822[86]. Deste
modo, o monopólio das funções musicais na Sé permitiu a José Maurício
reproduzir relações clientelares que lhe devem ter conferido aumento de
prestígio pessoal e recursos de poder. Prestígio e poder que transferia, em
parte, a estes mesmos alunos. Em autobiografia, o filho mais velho e homônimo
do padre relatou que ele e os discípulos de seu pai portavam um atestado de
músicos da Capela Real que fora conferido pelo próprio D. João VI[87].
Tal perfil de ação condiz com aquele ressaltado por
Márcio Soares[88]quando
reconhece na ação de alguns mestres de ofício libertos o cuidado no controle
das hierarquias corporativas, pois tal ação expressava não só o reconhecimento
dos homens bons da localidade como também
sancionava para estes mestres “um poder decisivo sobre as
pretensões dos aspirantes, aprendizes e demais artífices posicionados num
patamar inferior das hierarquias dos ofícios”.
José Maurício, portanto, começara a angariar um
patrimônio imaterial importante, além de desempenhar funções igualmente de
destaque junto à municipalidade. Ainda como mestre de capela da irmandade dos
clérigos, José Maurício compôs para o Senado da Câmara, em 1797, a música
executada na procissão de Nossa Senhora e do Anjo Custódio, ambos protetores da
monarquia portuguesa e, portanto, alvos de cerimônia oficial constante entre as
obrigações da municipalidade. No exercício de suas funções na Catedral
constantemente dirigia-se ao Senado, a exemplo do requerimento datado de
setembro de 1808, quando solicitava o reembolso dos gastos feitos com os músicos
que atuaram na Festa do Corpo de Deus daquele ano[89].
A chegada da Corte ao Rio, em 1808, aumentaria o
prestígio do padre-mestre. Segundo alguns, encantado com o talento musical de
José Maurício, D. João VI o confirmou no cargo de mestre de capela da antiga Sé,
transformada agora em Capela Real, onde exerceu as funções de organista principal
e compositor sem concorrência, pelo menos até 1811. Em 1809, D. João também
conferiu ao padre o título de Cavaleiro da Ordem de Cristo[90].
Embora a comenda das ordens militares, no início do oitocentos, já não
guardasse mais o mesmo prestígio dos séculos anteriores, ela não deixava de
demarcar um importante papel simbólico como signo de prestígio e distinção. A
precedência nas cerimônias públicas juntamente com o privilégio de foro eram
elementos que ainda caracterizavam a honraria, principalmente, em se tratando
do Hábito da Ordem de Cristo[91].
Os biógrafos do padre José Maurício afirmam que em
1811, com a chegada ao Rio de Janeiro do músico português Marcos Portugal, sua
carreira teria empalidecido. D. João nomeou Portugal para as mesmas funções de
José Maurício, embora este não tivesse perdido seu cargo e a pensão dele
decorrente. Todavia, as preferências da corte recaíam agora sobre o músico
europeu que passou a conduzir as funções musicais mais importantes na Capela
Real, cabendo ao padre mulato a condução dos eventos menos importantes, com
exceção da regência da orquestra real na missa pela elevação do Brasil a Reino
Unido, em 1816, mandada dizer pela Câmara da cidade e da missa em ação de
graças pelo nascimento da princesa D. Maria da Glória no mesmo ano[92].
José Maurício viria a falecer em 18 de Abril de
1830, segundo alguns, em situação financeira difícil e esquecido pelo Império
do Brasil. Antes, em 4 de Abril do mesmo ano, apresentou-se ao tabelião para
legitimar um dos seis filhos que tivera[93]. Kátia
Mattoso, em artigo sobre o clero secular baiano no oitocentos, já havia
detectado a preocupação dos sacerdotes com suas respectivas proles,
demonstrando que muitos destes rebentos ou seguiram a carreira sacerdotal dos
pais ou se tornaram doutores[94]. Não
tenho elementos que precisem porque a escolha do padre recaiu sobre somente um
dos filhos, talvez para não pulverizar os recursos e tornar a estratégia de
transmissão do legado mais eficaz.
De qualquer forma, o escolhido foi o Dr. José
Maurício Nunes Garcia, formado pela Academia Médico Cirúrgica do Rio de
Janeiro, em 1828. Segundo relato autobiográfico do Dr. José Maurício, ele
aprendera as primeiras letras com o pai que também lhe ensinara italiano,
geografia, lógica e retórica. Teria tido em casa um professor de origem
portuguesa que o introduziu no estudo da caligrafia e da aritmética. Um padre
chamado Antônio Manoel de Morais teria lhe ensinado gramática portuguesa e
francês. Frequentou a aula pública de música do pai, tendo também aprendido a
arte da música. Por volta de 1821, foi entregue ao seu padrinho de crisma, o
padre André Vitorino, que à época era Vice-Reitor do Seminário Episcopal de São
José, onde estudou gramática latina. Em 1823 matriculou-se na aula de francês
deste mesmo seminário[95].
Em 1824, Dr. José Maurício relata que fora pego pelo
alistamento militar forçado, tendo sido salvo do mesmo em função de seu pai ter
conseguido ordem de soltura junto ao general responsável pelo recrutamento. No
mesmo ano foi levado pelo pai à presença do Dr. Vicente Navarro de Andrade-
futuro Barão de Inhomirim, médico de D. Pedro I e professor da Academia
Médico-Cirúgica do Rio de Janeiro- que conseguiu que o mesmo ingressasse no
curso de medicina sem passar por exames[96].
Pelo que foi descrito percebe-se que, antes de
morrer, padre José Maurício conseguiu legar ao filho escolhido um importante
patrimônio imaterial, além de acionar a seu favor um conjunto de relações
pessoais que o inseriram numa significativa rede de proteção social. O
livramento do alistamento militar pode ser destacado como um exemplo, pois
escapar do mesmo exigia a inserção em poderosas redes clientelares e de
produção de favores[97]. É
fato que, se morreu pobre como
relatam seus biógrafos e seu próprio filho, o padre ainda gozava perto de sua
morte de algum prestígio que adquirira no seu processo de ascensão social e que
procurou transferir com algum sucesso para o filho que escolhera legitimar. Tal
possibilidade de mobilidade social, em meu entendimento, explica-se em parte
pela opção feita pela carreira eclesiástica, que, como já mencionei acima,
conferia aos seus ocupantes foro de nobreza e alguns privilégios.
Por outro lado, acredito que a qualificação do
processo de mobilidade requer que o mesmo seja pensado para além de uma pura e
simples ascensão vertical, embora esta não deixasse de ser importante. É
preciso entender que numa sociedade hierarquizada, a mobilidade se dá dentro de
determinados limites, reforçando e recriando novas e diferentes segmentações.
Como afirma Hespanha, no Antigo Regime os processos de mobilidade social quando
ocorreram se fizeram no sentido do não comprometimento da ordem social, ou
seja, acreditava-se que a “natureza das coisas” não deveria ser ferida de forma
a se garantir o bom funcionamento da sociedade[98]. Sob
este aspecto, é forçoso refletir também sobre a mobilidade horizontal que se
faz dentro do mesmo segmento igualmente hierarquizando-o. Parece-me que é
justamente na interseção dos dois processos que se poderá compreender melhor o
sentido da formação de um clero de cor na sociedade colonial. Com efeito, ao
consagrar-se a ascensão de uns criava-se nos que não realizaram o mesmo
movimento a mesma expectativa, garantindo-se que estes últimos não contestassem
o estado de coisas vigentes.
A mobilidade, portanto, não estava acessível a todos
e não foi a regra entre todos os homens de cor na sociedade colonial. Fruto de
estratégias familiares, a possibilidade de ascensão para estes segmentos
demonstrava o desenvolvimento de uma capacidade de autonomia e conhecimento dos
meandros da negociação na sociedade escravista colonial. Por se tratar de uma
sociedade profundamente hierarquizada e contendo traços de distinção do Antigo
Regime, esta mobilidade era profundamente conservadora pois, ao selecionar os
que poderiam ascender e aqueles que não poderiam, estabelecia um processo de
diferenciação e conflitos dentro do próprio segmento de setores subalternizados
pelo sistema escravista. A mobilidade possível, deste modo, fazia-se recriando
outras hierarquias sociais.
Conclusão
Ao compararmos as duas trajetórias é importante
destacar suas proximidades e diferenças no sentido de encaminhar uma melhor
reflexão sobre o papel e a importância do estudo da formação de um clero de cor
na América Portuguesa. Descendentes de mães escravas, os padres João de
Barcelos e José Maurício percorreram caminhos um tanto singulares na construção
de suas carreiras eclesiásticas quando comparamos os grupos nos quais estavam
inseridos e os períodos em que suas estratégias de mobilidade foram
engendradas. Cabe ressaltar que estou entendendo o conceito de estratégia da
forma como o definiu Giovanni Levi[99], ou
seja, um conjunto de possibilidades para o melhor enfrentamento das incertezas
que marcavam o universo dos homens em sociedades de Antigo Regime.
Com efeito, tais possibilidades se apresentaram
diversificada em meio a um conjunto de formulações que marcaram os caminhos de
um descendente de escravos que tinha por trás de si uma parentela que remontava
a uma família de principais da terra, caso de João de Barcelos, e outro que era
oriundo de uma família constituída por manumissos e que em sua trajetória
representava somente a primeira geração nascida fora do cativeiro, caso de José
Maurício. Todavia, tais diferenças não deixaram de recorrer a processos
semelhantes como a necessidade de inserção em redes de proteção que
viabilizassem suas estratégias, o que, por sua vez, demonstrava certa
perenidade dos traços do Antigo Regime que caracterizavam aquela sociedade. Ou
seja, a individualidade submetida à ideia de corpo e, portanto, de uma
estratégia que se constrói enquanto projeto de grupo.
Por outro lado, estas estratégias, embora afirmem
determinadas continuidades,nos remetem a quadros de transformação na América
Portuguesa. Se em meados do século XVII e na primeira metade do século XVIII, a
ascensão de João de Barcelos relacionou-se, em grande parte, à sua origem que
remontava a uma família da “nobreza da terra”, o processo de mobilidade de José
Maurício descrevia o papel que os arranjos entre homens libertos começava a
assumir para aquela sociedade. Num primeiro momento, a carreira eclesiástica
assumia um papel estratégico na superação que os incômodos que bastardia
assumia para as elites mescladas aos segmentos subalternos e no caso específico
com escravos. Sem que este traço desaparecesse, a expansão do escravismo e o
crescimento do processo de manumissão, que caracterizou a sociedade colonial
portuguesa na América, passaram a exigir novos mecanismos de distensão que se
relacionaram à possibilidade de ascensão de uma camada de libertos,
diferenciando-os entre os homens de cor e ao mesmo tempo reafirmando as
hierarquias notoriamente excludentes de uma sociedade escravista de Antigo
Regime.
A formação de um clero nativo, por outro lado,
cumpria algumas expectativas da Igreja na medida em que os valores de uma
sociedade católica se espraiavam pela América portuguesa atingindo escravos,
libertos, filhos de escravos que se tornavam padres, entre outros setores que
acabavam por se referenciar numa vida sacramental e devocional reiterada no
nível do cotidiano por homens como os padres João de Barcelos Machado e José
Maurício Nunes Garcia. O primeiro filho de uma escrava com um padre,
descendente de “homens bons” da terra, pastor de almas brancas, de cor, livres,
libertas e cativas; o segundo filho de libertos, pai alfaiate e que se
transformou em músico apreciado e beneficiado pelo rei. Diferentes e
semelhantes, as trajetórias dos padres João de Barcelos e José Maurício, de
certa forma, sintetizavam parte da história de construção de uma sociedade
escravista, mestiça, hierárquica e cristã que se instalou nos trópicos e que,
sustentando estas características, permite compreender de forma mais dinâmica e
complexa os diversos sentidos do catolicismo conjugado à ação colonizadora.
Aceptado: 20 de diciembre de 2013
Trajetórias de clérigos de cor na América
Portuguesa: catolicismo, hierarquias e mobilidade social
Resumem
O artigo tem como objetivo
refletir sobre a articulação entre carreira eclesiástica e mobilidade social em
uma sociedade escravista de Antigo Regime. Para tanto, pretende-se analisar as
injunções da Igreja na promoção de um clero nativo na América portuguesa e a
constituição de redes de sociabilidades que, articuladas em torno de valores
hierárquicos cristãos, formularam estratégias para melhor posicionar na escala
social os indivíduos a elas pertencentes. Com efeito, procurarei demonstrar que
o processo de sacramentalização da sociedade projetado pela Reforma Tridentina,
mesmo com seus limites, encontrou certa legitimidade quando visto por grupos e
indivíduos como fator de projeção de seus interesses políticos e de
representação social. Neste sentido, o processo de diferenciação social
promovido pela expansão do escravismo colonial exigiu a constante reformulação
das hierarquias e a consagração de espaços distintos para indivíduos oriundos
de uniões mestiças que não se concebiam no mesmo patamar destinado aos
escravos. São estas questões que emergem das trajetórias dos sacerdotes
analisadas neste artigo, permitindo uma compreensão mais complexa da sociedade
escravista cristã que se constituiu na América lusa.
Palavras
Chaves:
clero de cor – escravidão - catolicismo – hierarquias – mobilidade social
Anderson José Machado de Oliveira
Trajectories of clergy of color in Portuguese America: Catholicism, hierarchies and social mobility
Abstract
The article aims to reflect on the relationship between ecclesiastical career and social mobility in a slave society of the Old Regime. To this end, we intend to analyze the injunctions of the Church in promoting a native clergy in Portuguese America and the establishment of networks of sociability that articulated around Christian hierarchical values, formulated strategies to better position on the social ladder individuals belonging to them . Indeed, try to demonstrate that the process of sacramentalization society designed by Tridentine Reform, even with its limitations, found some legitimacy when viewed by groups and individuals as a projection of their political and social representation factor. In this sense, the process of social differentiation promoted by the expansion of colonial slavery required the constant reformulation of hierarchies and the consecration of distinct spaces for individuals from mixed race marriages that are not conceived at the same level for the slaves. These are issues that emerge from the trajectories of the priests analyzed in this article, allowing for a more complex understanding of the Christian slave society that was formed in Portuguese America.
Key words: clergy of color - slavery - Catholicism - hierarchies - social mobility
Anderson
José Machado de Oliveira
* Professor do Departamento e do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). A pesquisa que possibilitou a redação deste artigo é financiada pela FAPERJ (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro) através da Bolsa Jovem Cientista do Nosso Estado.
[1] Cunha, Dom Rodrigo da, Constituições Sinodais do Arcebispado de Lisboa, na Oficina
de Paulo Craesbeek, Lisboa, 1656, p. 98.
[2] Vide, Dom Sebastião Monteiro da, Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia (edição de
Bruno Feitler e Evergton Sales Souza), EdUSP, São Paulo, 2010, p. 224.
[3] Figuieroa-Rego, João de e Olival,
Fernanda, “Cor da pele, distinções e cargos: Portugal e os espaços atlânticos
portugueses (séculos XVI a XVIII)”, en Revista Tempo,
Vol. 15, N° 30, Rio de Janeiro, 2011. pp. 121 e 139.
[4] Mattos, Hebe Maria, Marcas da Escravidão: biografia, racialização e memória do cativeiro
na História do Brasil, Tese de Titular em História do Brasil, UFF,
Niterói, 2004, pp. 236-237.
[5] Olaechea,
Juan Bautista, El mestizage como gesta,
Editorial MAPFRE, Madrid, 1992, pp. 158, 202-203.
[6] Menegus,
Margarita e Salvador, Rodolfo Aguirre, Los índios, el sacerdocio
y la Universidad en Nueva España- Siglos XVI- XVIII, UNAM, México,
2006, pp. 19-21.
[7] O Bispado do Rio de Janeiro, criado em 1676, abrangia um longo
território que ia da Capitania do Espírito Santo até o Rio da Prata, tendo
jurisdição sobre o sul da Bahia, Espírito Santo, Santa Catarina, Rio Grande do
Sul, Colônia do Sacramento, e, até 1745, sobre São Paulo, Paraná, Minas Gerais,
Mato Grosso e Goiás.
[8] Castro, Hebe Maria Mattos de, Das cores do silêncio: os significados da liberdade no sudeste
escravista- Brasil século XIX, Arquivo Nacional, Rio de Janeiro,
1995; Guedes, Roberto, Egressos do cativeiro: trabalhos,
família, aliança e mobilidade social (Porto Feliz, São Paulo, c. 1798-1850),
Mauad X/Faperj, Rio de Janeiro, 2008; Soares, Márcio de Sousa, A remissão do cativeiro: a dádiva da alforria e o governo dos escravos
nos Campos dos Goitacases, c. 1750- c. 1830, Apicuri, Rio de
Janeiro, 2009.
[9] Grendi, Edoardo, “Microanálise e
história social”, em Oliveira, Mônica Ribeiro de e Almeida, Carla Maria
Carvalho de (Orgs.), Exercícios de
micro-história, Editora FGV, Rio de Janeiro, 2009, p. 23.
[10] Arquivo da Cúria Metropolitana do
Rio de Janeiro (doravante ACMRJ), Testamento de Pedro Afonso da Costa, 1775,
Livro 18 da Sé (Testamentos e Óbitos).
[11] Instituto dos Arquivos Nacionais
da Torre do Tombo (doravante IANTT), Inquisição de Lisboa (doravante IL),
Francisco de Paredes, Processo n. 8198. Agradeço a Carlos Eduardo Calaça por
disponibilizar de suas anotações sobre o processo inquisitorial de Francisco de
Paredes antes de minha consulta ao processo original.
[12] Faculdade
que um bispo concedia a um súdito seu de poder ser ordenado por outro
diocesano.
[13] Quando
havia necessidade de se comprovar que se estava de fato sob a jurisdição de um
bispado para poder ser ordenado pelo seu respectivo diocesano.
[14] Menegus, Margarita e Salvador,
Rodolfo Aguirre, 2006, op.cit., pp. 93-101.
[15] Fragoso, João, “A noção de
economia colonial tardia no Rio de Janeiro e as conexões econômicas no Império
português: 1790-1820”, in Fragoso, João,
Bicalho, Maria Fernanda e Gouvêa, Maria de Fátima (orgs.), O Antigo
Regime nos Trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII),
Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2001, pp. 332-333.
[16] Originados
por uniões não legitimadas pelo casamento católico.
[17] Brügger, Silvia Maria Jardim, Minas Patriarcal: família e sociedade (São João del Rei- séculos XVIII
e XIX), Anablume, São Paulo, 2007, p. 54.
[18] Bosl, Karl, “Castas, Ordens e
Classes na Alemanha”, in Mousnier, Roland (org.),
Problemas de estratificação social,
Actas do Colóquio Internacional (1966), Livraria Martins Fontes, Lisboa, s/d, pp.
21-22.
[19] Guedes, Roberto, 2008, ob.cit.,
pp. 69-93.
[20] ACMRJ, Habilitações Sacerdotais
(doravante HS), João de Barcelos Machado, 1669.
[21] ACMRJ, Habilitações Sacerdotais
(doravante HS), João de Barcelos Machado, 1669.
[22] Sampaio, Antonio Carlos Jucá de, Na encruzilhada do império: hierarquias sociais e conjunturas
econômicas no Rio de Janeiro (c. 1650- c. 1750), Arquivo Nacional,
Rio de Janeiro, 2003, p. 74.
[23] Fragoso, João, “Fidalgos e
parentes de pretos: notas sobre a nobreza principal da terra no Rio de Janeiro
(1600-1750)”, in Fragoso, João Luís Ribeiro, Almeida, Carla Maria de Carvalho y
Sampaio, Antonio Carlos Jucá de (orgs.), Conquistadores e
Negociantes. Histórias de elites no Antigo Regime nos trópicos. América Lusa,
séculos XVII a XVIII, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2007,
p. 85-93; Fazenda, José Vieira, Os Provedores da Santa
Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, Oficinas Gráficas da
Fundação Romão de Mattos Duarte, Rio de Janeiro, 1960, pp. 41-42; Araújo, José
de Souza Azevedo Pizarro e, Memórias históricas do Rio
de Janeiro, Vol. 3, Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1945, p. 97.
[24] ACMRJ, HS, João de Barcelos
Machado, 1669.
[25] Brügger, Silvia Maria Jardim,
2007, ob.cit., pp. 202-203.
[26] Brügger, Silvia Maria Jardim,
2007, ob.cit., pp. 202-207.
[27] Soares, Márcio de Sousa, 2009, ob.cit.,
p. 250.
[28] Bourdieu, Pierre, A Economia das Trocas Linguísticas, Edusp, São Paulo, 2008,
p. 98.
[29] ACMRJ, HS, Manoel Ribeiro
Antunes, 1678; João de Maris Velho, 1682-1687.
[30] Esta informação foi possível
graças à consulta ao banco de dados sobre os registros de batismos da Freguesia
da Sé organizado por Roberto Guedes, a quem de público agradeço.
[31] Araújo, José de Souza Azevedo
Pizarro e, 1945, ob.cit., p. 12.
[32] ACMRJ, Irajá, Livro 1, Óbitos de
Pessoas Livres, 1678-1731, [em línea] https://familysearch.org
[Consulta: 10/10/2013].
[33] Neves, Guilherme Pereira das, E Receberá Mercê. A Mesa da Consciência e Ordens e o clero secular no
Brasil 1808-1828, Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, 1997, p. 66.
[34] Paiva, José Pedro, Os Bispos de Portugal e do Império 1495-1777, Imprensa da
Universidade de Coimbra, Coimbra, 2006, p. 286-287.
[35] Neves, Guilherme Pereira das,
2006, p. 138-156.
[36] Barral,
María Elena, De sotanas por la pampa: religión y sociedad
en el Buenos Aires rural tardocolonial, Prometeo Libros, Buenos
Aires, 2007, pp. 23-40.
[37] Lemaitre,
Nicole, “Entre Reformes et Contre-Reforme”, en Histoire des
cures, Fayard, Paris, 2002, pp. 156-159.
[38] Coaracy, Vivaldo, O Rio de Janeiro no século XVII: raízes e trajetórias,
Documenta Histórica, Rio de Janeiro, 2009, p. 103; Abreu, Maurício de Almeida, Geografia Histórica do Rio de Janeiro (1502-1700), Vol. 1,
Andrea Jakobsson & Prefeitua Municipal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2010, pp. 348-350; Sampaio, Antonio Carlos Jucá de, 2003, ob.cit., pp. 114-117.
[39] ACMRJ, Visitas Pastorais (doravante VP), Notícias do Bispado do Rio de
Janeiro, 1687. Agradeço ao Professor João Fragoso a cessão da transcrição do
documento.
[40] Rheingantz, Carlos G., Primeiras Famílias do Rio de Janeiro (Séculos XVI e XVII),
Vol.1, Livraria Brasiliana Editora, Rio de Janeiro, 1965, p. 217; ACMRJ, Irajá,
Óbitos 1688-1730, [em línea] https://familysearch.org
[Consulta: 10/10/2013].
[41] Rheingantz, Carlos G., 1965,
ob.cit., p. 217; ACMRJ, Irajá, Batismos 1700-1728, [em línea] https://familysearch.org
[Consulta: 10/10/2013].
[42] Rheingantz, Carlos G., 1965, p.
216; ACMRJ, Irajá, Matrimônios 1666-1734, [online] https://familysearch.org [Consulta: 10/10/2013].
[43] Barral,
María Elena, 2007, ob.cit., pp. 35-41.
[44] “Livro de Batismo dos Pretos
pertencentes à Paróquia de Irajá”, Transcrição de Bartolomeu Homem d’El Rei
Pinto, Anais da Biblioteca Nacional, Vol. 108,
Rio de Janeiro, 1988, pp. 129-173.
[45] IANTT, IL, Francisco de Paredes, Processo
N° 8198.
[46] ACMRJ, HS, Francisco de Paredes,
1705.
[47] “Livro de Batismo dos Pretos
pertencentes à Paróquia de Irajá”, pp. 140 e 147.
[48] IANTT, IL, Francisco de Paredes,
Processo N° 8198.
[49] Araújo, José de Souza Azevedo
Pizarro e, 1945, ob.cit., p. 12.
[50] ACMRJ, Irajá, Óbitos 1731-1781,
[em línea] https://familysearch.org [Consulta: 10/10/2013].
[51] Araújo, José de Souza Azevedo
Pizarro e, O Rio de Janeiro nas Visitas Pastorais de Monsenhor
Pizarro, Vol. 1, INEPAC, Rio de Janeiro, 2008, pp. 61-62.
[52] ACMRJ, Irajá, Óbitos 1731-1781,
[em línea] https://familysearch.org [Consulta: 10/10/2013].
[53] Grendi, Edoardo, 2009, ob.cit.,
p. 27.
[54] Com relação ao papel de um clero
de cor nesse processo, já havia desenvolvido argumentação semelhante em:
Oliveira, Anderson José Machado de, “Padre José Maurício: ‘dispensa da cor’,
mobilidade social e recriação de hierarquias na América Portuguesa”, in Guedes,
Roberto (org.), Dinâmica Imperial no Antigo Regime
Português: escravidão, governos, fronteiras, poderes, legados, Mauad
X, Rio de Janeiro, 2011.
[55] ACMRJ, HS, José Maurício Nunes Garcia, 1791.
[56] ACMRJ, HS,
José Maurício Nunes Garcia, 1791.
[57] ACMRJ,
Habilitações Matrimoniais (doravante HM), Apolinário
Nunes Garcia e Vitória Maria da Cruz, 1762.
[58] Guedes, Roberto, 2008, ob.cit., p. 296.
[59] Guedes, Roberto, 2008, ob.cit., pp. 304-309.
[60] Levi, Giovanni,
A herança imaterial, Civilização
Brasileira, Rio de Janeiro, 2000, p. 195.
[61] ACMRJ, HS,
José Maurício Nunes Garcia, 1791.
[62] Guedes, Roberto,
2008, ob.cit., p. 121.
[63] Guedes, Roberto,
2008, ob.cit., pp. 253-256; Castagna, Paulo, “O som da
Catedral de Mariana nos séculos XVIII e XIX”, in Furtado,
Júnia Ferreira (org.), Sons, formas, cores e movimentos na modernidade
atlântica: Europa, Américas e África, Annablume/PPGH-UFMG,
São Paulo/Belo Horizonte, 2008, p.
92.
[64] ACMRJ, HS,
José Maurício Nunes Garcia, 1791.
[65] Fernandes, Valter Lenine, Os contratadores e o
contrato da dízima na Alfândega do Rio de Janeiro (1726-1743), Dissertação
de Mestrado, UNIRIO, Rio de Janeiro, 2010, pp. 25-28, 171.
[66] ACMRJ, HS,
Manoel Antunes Marcelo e Tomás Antunes Marcelo, 1783-1786.
[67] Sampaio, Antonio Carlos Jucá de, 2003, ob.cit., pp. 116-127.
[68] ACMRJ, HS,
Manoel Antunes Marcelo e Tomás Antunes Marcelo, 1783-1786.
[69] Araújo, José de Souza Azevedo Pizarro e, 2008, ob.cit., p. 73.
[70] Chaon, Sergio, Os convidados para a ceia do senhor: as missas e a
vivência leiga do catolicismo na cidade do Rio de Janeiro e arredores
(1750-1820), EdUSP, São Paulo, 2008, pp. 61-97.
[71] Olival, Fernanda e Monteiro, Nuno Gonçalo, “Mobilidade social nas carreiras
eclesiásticas em Portugal (1500-1820)”, Análise Social, Vol. XXXVII,
N° 165, Lisboa, 2003, p. 1222.
[72] Levi, Giovanni, 2000,
ob.cit., pp. 96-97.
[73] Bourdieu, Pierre, 2008,
ob.cit., pp. 97-103.
[74] Soares, Marcio de Sousa, 2009, ob.cit. p. 241.
[75] Olival, Fernanda e Monteiro, Nuno Gonçalo, 2003, ob.cit., pp. 1218-1225; Neves, Guilherme
Pereira das, 2006, pp. 201-205; Oliveira, Anderson José Machado de, Devoção Negra: santos
pretos e catequese no Brasil colonial, Quartet/Faperj, Rio
de Janeiro, 2008, pp. 53-66; Bosl, Karl,
s/d, ob.cit.,; Delumeau, Jean, “Movilidad
social: ricos y pobres en la epoca del Renascimento”, Ordenes,
Estamentos y Classes, Coloquio de historia social Saint-Cloud, 24-25 de mayo de 1967, Siglo Veintiuno, Madrid, 1978; Villalta,
Luiz Carlos, “A Igreja, a sociedade e o clero”, in Lage, Maria Efigênia de Resende e Villalta, Luiz Carlos
(orgs.), História de Minas Gerias, As
Minas Setecentistas 2, Autêntica/Companhia do Tempo, Belo Horizonte, 2007, pp. 30-31.
[76] Faria, Sheila Siqueira de Castro, A Colônia em
movimento: fortuna e família no cotidiano colonial, Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1998, p. 21.
[77] Olival, Fernanda e Monteiro, Nuno Gonçalo, 2003, ob.cit., pp. 1225-1226.
[78] ACMRJ, HS,
José Maurício Nunes Garcia, 1791.
[79] Guedes, Roberto,
2008, ob.cit., pp. 85 e 275.
[80] Arquivo da
Venerável Irmandade de São Pedro dos Clérigos do Rio de Janeiro (doravante AVISPCRJ), Entrada de Irmãos (1781-1825); Mattos, Cleofane
Person de, Catálogo Temático da Obras do Padre José Maurício
Nunes Garcia, Ministério da Educação e Cultura, Rio de Janeiro, 1970, p.
12.
[81] Schwaller,
John F, “Los miembros fundadores de la Congregación
de San Pedro, México, 1577”, in López-Cano, Pilar Martínez, Wobeser,
Gisela Von, Muñoz, Juan Guillermo (coords.), Confradías, Capellanías y Obras Pías en la América Colonial, UNAM,
México, 1998, pp.
109-110.
[82] Coaracy, Vivaldo, Memórias da Cidade do Rio de Janeiro, Itatiaia/EdUSP,
Belo Horizonte/São Paulo 1988, p. 250.
[83] Arquivo
Histórico Ultramarino (doravante AHU), Compromisso da
Irmandade do Padre São Pedro Príncipe dos Apóstolos da Cidade de São Sebastião
do Rio de Janeiro, 1732.
[84] Olival, Fernanda e Monteiro, Nuno Gonçalo, 2003, ob.cit., p 1223.
[85] ACMRJ, Livro de Provisões da Catedral, 1789-1959, Fs. 9.
[86] Mattos,
Cleofane Person de,
1970, ob.cit.
[87] Biblioteca
Nacional- Rio de Janeiro (doravante BN), Seção de
Manuscritos, Documentos Biográficos- García, Dr. José Maurício Nunes, Apontamentos Para a notícia biográfica do Membro
Correspondente do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico do Brasil Dr.
José Maurício Nunes Garcia, Rio de Janeiro, 1860, Fs. 8.
[88] Soares, Marcio de Sousa, 2009, ob.cit., pp. 248-249.
[89] Arquivo
Geral da Cidade do Rio de Janeiro (doravante AGCRJ), Códice
43.4.16, Fs. 80-81.
[90] Mattos, Cleofane Person de, 1970, ob.cit, p. 40.
[91] Silva, Maria Beatriz Nizza da, Ser nobre na Colônia, Editora
da UNESP, São Paulo, 2005, pp.
208-212.
[92] Mattos, Cleofane Person de, 1970, ob.cit. pp. 35-36; Mariz, Vasco, A música no Rio de Janeiro no tempo de D. João VI, Casa da Palavra, Rio de Janeiro, 2008, pp. 59-61.
[93] Mattos, Cleofane Person de, 1970, ob.cit., pp. 35-36.
[94] Mattoso, Kátia M. de Queirós, “Párocos e Vigários em Salvador no século
XIX: as múltiplas riquezas do clero secular na capital baiana”, Tempo
e Sociedade, V. 1, N° 1, Niterói, 1982, p. 21.
[95] BN, Seção de Manuscritos, Documentos Biográficos, García, Dr.
José Maurício Nunes, ob.cit.,
Fs, 6-8.
[96] BN, Seção de Manuscritos, Documentos Biográficos, García, Dr.
José Maurício Nunes, ob.cit.,
Fs. 8.
[97] Mendez, Fábio Faria,
“Encargos, privilégios e direitos: o recrutamento
militar no Brasil nos séculos XVIII e XIX”, in Castro,
Celso, Izecksohn, Vitor, Kraay, Hendrik (orgs.), Nova História Militar
Brasileira, FGV, Rio de Janeiro, 2004, p. 114.
[98] Hespanha, António Manuel, “A mobilidade social na sociedade de Antigo
Regime”, Tempo. Vol. 11, N° 21, Departamento
de História da UFF, Rio de Janeiro, 2006, p. 142.
[99] Levi,
Giovanni, 2000, ob.cit.